quarta-feira, 27 de maio de 2009

A derrota militar dos Támis do Sri Lanka

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Vitor Martins informa sobre este tema de raivosa actualidade.

No Sri Lanka, a antiga Ceilám batizada polos portugueses, a maioria cingalesa de religiom budista, hegemónica após a independencia de 1948, discriminou à minoria támil, uns 3 milhons de pessoas, de religiom hinduista, tanto aos nativos como aos Támis importados como colonos polos británicos do sul dravídico indiano no século XIX para trabalhar as plantações en regime de semiescravidom.

A imposiçom do nacionalismo populista cingalês budista na Constituiçom de 1972 provocou o nascimento de um nacionalismo radical támil, que alentou a formaçom desde 1975 de vários grupos armados, sendo o mais importante deles o dos Tigres do Támil. A polarizaçom étnica que seguiu deu lugar a umha guerra em 1983 que, trás 25 anos e causar 70.000 mortos, chegou ao seu fim o passado 17 de Maio.
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[Figuras referenciadas ao final da postagem]
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Sri Lanka, é umha ilha situada frente às costas indianas surorientais com umha populaçom de 19 milhões de habitantes, dos quais 74% som Cingaleses e 18% Támis (13% nativos e 5% trasladados polos británicos do sul da Índia). Os Támis, de fala dravídica e religiom hinduista, moram nas províncias do norte –a península de Jaffna- e do Leste, onde conformam, respectivamente, o 98% e o 45% da populaçom. Os Cingaleses, de língua sánscrita e religiom budista, moram nas sete províncias restantes, conhecido como o Sul. Existem também minorias de Mouros e Malaios (50.000), e grupos religiosos mussulmanos (7%) e cristaos (8%).

A parte costeira de Ceilám foi ocupada desde o século XVI por sucessivos colonizadores europeus, Portugueses, Holandeses e, desde 1796, Ingleses. No interior da ilha existiu um reino cingalês que manteve a sua independência até 1815. O Império británico implantou na ilha umha economia colonial de monocultivo baseada exploraçom dos recursos naturais (café, chá, coco e cauchu). Para isto necessitou importar mao-de-obra semiescrava do sul do subcontinente indiano (da zona onde hoje se acha o Estado de Támil Nadu e com 66 milhões de habitantes).

Sri Lanka obtivo a sua independência em 1948, trás a da Índia. A sua Constituiçom, a foi a dum Estado centralizado segundo o modelo británico. A língua cingalesa é tratada como a única oficial do país e estabeleceu-se um sistema de checks and balances polo que o Parlamento mantinha umha proporçom de 3 a 2 entre os eleitos Cingaleses e as minorias e umha cláusula constitucional salvaguardava os seus direitos étnicos.


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O Partido Nacional Unido (UNP), representante dos Cingaleses anglófilos e conservadores ganhou as eleições. A pressom dos camponeses Cingaleses da montanha impom umha lei de 1949 que exclui da cidadania e do voto os Támis trazidos como colonos da Índia. Em 1952 os Támis do UNP constituem um partido federalista. A Frente Popular Unida esquerdista de Bandaranaike, ganhou as eleições de 1956, mas a força social que predominava na coaligaçom era a Frente Unida dos Monges, que fez do nacionalismo budista a nova ideologia dominante e conseguiu que o singalês fosse declarado única língua oficial do Estado. Bandaranaike tentou pactuar umha soluçom com os federalistas Támis mas foi assassinado em 1959 por um monge budista. Porém, quando a sua viúva acedeu ao poder em 1960 a sua política procurou a resurreiçom da «grande cultura cingalesa». Em 1965 UNP ganha as eleições graças a umha coaligaçom na que faziam parte os federalistas támis, mas as suas reivindicações forom desouvidas mais umha vez. Ao volver a viúva Bandaranaike ao poder e sob a pressom dumha Frente de Libertaçom Nacional cingalesa que se levantou em armas, promulgou-se em 1972 umha constituiçom republicana que impuxo brutalmente o domínio da maioria budista e cingalesa.

Os Támis, em consequência, começarom a reclamar a partir de 1972 um Estado independente. Emergeu no seu seio umha liderança solidamente implantada na península de Jaffna, de extracçom mais popular e antiociental que o antigo federalismo. O novo nacionalismo támil, inspirado nos modelos palestiniano e vietnamita, pôs em prática a luta armada para conseguir o controlo do território que habitava. Forom surgindo assim distintos grupos que atacavam forças de segurança e colaboracionistas. O grupo mais forte foi o dos Tigres da Libertaçom do Támil Eelam (LTTE), criado em 1975 e dirigido por Velupillai Prabhakaran, que acabou por se impor nos oitenta.

As eleições de 1977 polarizarom-se entre a UNP, que aglutinou o conjunto do nacionalismo cingalês e a Frente Unida de Libertaçom do Támil, que conseguiu os doze escanos da província do Norte e quatro dos doze da do Leste, convertendo-se no maior partido da oposiçom da ilha. As tentativas do governo de negociar com os Támis moderados para os afastar radicais nom derom fruto. Para sufocar a insurreiçom do Norte, reformou-se a Constituiçom de 1978 em sentido presidencialista, aprovou-se em 1979 um Acta de Prevençom do Terrorismo e enviou-se o Exército aos territórios sublevados, mentres que os Támis que viviam no Sul eram objecto de umha crescente violência social.

O conflito étnico converteu-se assim em guerra, trás um atentado no que os Tigres abaterom em Julho de 1983 a treze soldados. A populaçom cingalesa voltou-se no Sul contra todos os Támis que toparom, massacrando a milhares deles e forçando a fugida de outros 90.000 ao Estado indiano de Támil Nadu. Os campos de refugiados dos arredores de Madrás converterom-se em ninhos onde os grupos támis recrutavam os seus combatentes (que chegariam a 6000). Após umha tentativa de reuniom em 1984 dos cinco grupos mais importantes, os Tigres acabarom por se impor polo expeditivo método de dar morte aos quatro rivais da Organizaçom Popular e Libertaçom de Eelam Támil (PLOTE), Organizaçom de Libertaçom de Îlam Tamil (TELO), a Frente de Libertaçom Revolucionaria Popular de Îlam (EPLRF) e do EPDP. Nom lhes custou muito apoderar-se da zona da península de Jaffna.

Em Julho de 1987 o exército do Sri Lanka lança a primeira operaçom militar no seu próprio solo desde a independência do país com o objectivo de expulsar os simpatizantes dos Tigres do Támil de Jaffna, onde viviam 750.000 pessoas assediadas polo Exército e bombardeadas pola aviaçom, sem subministros e com umha taxa de desemprego do 40%.

A solidariedade que esta situaçom despertou no sul da Índia, que conhecia à sua vez um movimento nacionalista dravídico, acabou envolvendo o Governo indiano no conflito, fazendo de mediador para conseguir a abertura de negociações entre as duas partes, primeiro em Thimpo (Bhutám), e porfim em Colombo, a capital de Sri Lanka. Fruto indirecto destes encontros foi o Acordo Indo-Lanka de 1987, polo que o governo cingalês se comprometeu a criar uns Conselhos Provinciais que conferiam certos poderes a todas as províncias da ilha, e nom só às Támis, o que se supunha resolveria o conflito. A Índia comprometia-se a enviar a Sri Lanka umha força militar de paz duns 45.000 homens que supervisaria o cumprimento do Acordo e desarmaria os grupos támis.

O Acordo, que com todas as suas limitações dava forma institucional por vez primeira ao carácter multiétnico e plurinacional da ilha, foi aceitado ao princípio pola oposiçom cingalesa e polos Tigres do Támil, que respeitarom durante certo tempo um cessar-fogo embora nom se implicassem nas eleições derivadas dele. Estas celebrarom-se no sul cingalês em Abril de 1988, e no Norte e Leste támis em Novembro desse ano, com presença indiana. Aqui, a Frente Revolucionária do Povo de Eelam ganhou-as amplamente.

Ao cabo de ano e meio os Conselhos Provinciais criticarom as limitações legais derivadas dumha emenda constitucional que devolvia ao Governo central competências que foram outorgadas em matéria de ordenamento rural, polícia, segurança, educaçom e administraçom pública. Aliás, as tropas indianas de paz pronto se converterom em forças repressivas. O governo de Sri Lanka pediu em 1989 a retirada das forças indianas e iniciou novas negociações com os Tigres. Os Conselhos Provinciais do Norte e Leste proclamarom pola sua parte o Estado Támil independente, polo que forom dissolvidos.

Em Março de 1990, dous meses depois da retirada indiana, as negociações romperom, reanudando-se no Norte umha guerra a grande escala. Os Tigres, aos que se atribuiu o assassinato em atentado do ex-presidente indiano Rajiv Gandhi em 1991 derom morte ao presidente de Sri Lanka Premadas em 1993. Kumaratunga, viúva dum líder da Frente Popular abatido polos Tigres em 1988 e filha do assassinado Bandaranaike, ganhou as eleições em Novembro de 1994 contra outra viúva, cujo marido, líder do UNP Disanayake, acabava de ser assassinado em atentado um mês antes.

Contrariamente ao UNP, o programa da Frente Popular contemplava reiniciar as negociações de paz com os Támis, rotas em 1990, a fim de relançar e melhorar o projecto que convertera a Sri Lanka numha uniom de províncias autónomas dotadas dum alto grau de autonomia nos oitentas. Mas o cessar -fogo acordado polos tigres em Janeiro de 1995 foi roto quatro meses mais tarde ao exigir-lhes o desarmamento como condiçom para iniciar as conversas de paz. A ofensiva lançada polo exército do Sri Lanka em Outubro de 1995 culminou em Dezembro de 1996 com a tomada do quartel geral támil na península de Jaffna.

Em 30 de Janeiro de 1996 um sangrento atentado dos Tigres num banco de Colombo causava um centenar de mortos. Em Julho, os Támis, que ao ser expulsos de Jaffna se atrincheiraram na selva, atacarom umha base militar causando mil baixas ao exército do Sri Lanka. A ofensiva terrestre, aérea e naval lançada polo governo contra o quartel geral dos Tigres em Killinochi nom acabou com a sua resistência.

Em Maio de 1997, 20 mil soldados governamentais nom dá organizado umha linha de fornecimento cara Jaffna através da zona de Vanni controlada polos LTTE. Nestas operações a populaçom civil é habitualmente assassinada en cada lado.

Em Março de 1999 durante a Operaçom Rana Gosa o exército cingalês invade o distrito de Vanni polo Sul, conquista vários territórios, mas nom consegue derrotar os Tigres na regiom. Em resposta, estes lançam umha ofensiva com a Operaçom «Ondas Incessantes», retomando os territórios ainda ocupados polo exército.

Em Abril de 2000 os Tigres lançam umha nova ofensiva em direcçom ao norte e atacam a Passagem dos Elefantes onde se reagrupam 17.000 soldados cingaleses. Em 22 de Abril tomam o controle desta zona estratégica que corta a península de Jaffna do distrito de Vanni desde 17 anos.

Os Tigres instauram unilateralmente um cessar-fogo em Dezembro de 2000. Em Abril de 2001 o exército governamental lança a operaçom Agni Khiela tentando retomar, sem sucesso, o sul da península de Jaffna.

Após vários anos de guerra civil e de embargo económico na parte norte da ilha, o país entra entre 2002-2005 num período conhecido como «pós-conflito». Os Tigres, que controlam a costa oeste da ilha e una zona circunscrita no norte, moderam as suas exigências e procuram umha autonomia económica e política no seio do Estado cingalês, declarando que a luta militar nom é um bom método para atingir os seus objectivos. No fundo, após os atentados terroristas de 11 de Setembro nos Estados Unidos, acha-se o receio dum possível apoio internacional para o exército do Sri Lanka, ou mesmo sobre um possível ataque internacional.

Aliás, a poderosa guerrilha Támil é umha das poucas que conta com umha marinha de guerra (Tigres Marinhos), com capacidade de levar a cabo batalhas navais para controlar as vias e aprovisionamento da ilha. Igualmente, umha unidade chamada Tigres Negros é a encarregada de organizar atentados suicidas contra as forças regulares. Desde 1987, ano do seu primeiro ataque suicida, esta unidade realizou mais que qualuqer outra organizaçom no mundo. As táticas usadas polos tigres do Támil resultarom na sua classificaçom como organizaçom terrorista nos EE.UU., no Brasil, na Austrália, na UE e no Canadá.

Para retomar a iniciativa o governo cingalês aumenta o orçamento da defesa (5% do PNB) e os efectivos do seu exército (aumento do 500% entre 1985-2005). Nestas condições em 2005 o exército do Sri Lanka rompe a trégua desistindo ao cessar-fogo em repetidas ocasiões. Em 2008 a coaligaçom de governo central na Índia, integrada pola primeira vez polo partido pró-támil, viu-se abalada pos protestos baseados no nacionalismo támil, para que começasse a apoiar os támis de Sri Lanka e do qual se esperava mais apoio indiano para com os támis no Sri Lanka. Todos os partidos támil do Estado indiano do Támil Nadu exigirom o cessar-fogo imediato. Como contrapartida, os támis do Sri Lanka acusam o próprio povo támil indiano de apoiar os Cingaleses.

As sucessivas ofensivas governamentais desde 2007 fam recuar o território controlado polos independentistas támis. A partir de Novembro de 2008 o exército cingalês começou umha ofensiva indiscriminada sem precedentes que consegue, a partir de Janeiro-Fevereiro de 2009, ocupar todas as cidades controladas polos Tigres támis, incluída Kilinochchi, a «capital» rebelde. Os Tigres, que começam a recuar em larga escala, solicitam um cessar-o-fogo que é rejeitado polo governo.

Em 25 de Abril de 2009 os independentistas ficam confinados numha zona de 48km2 rodeados polo exército cingalês, mas a presença de mais de 50.000 civis complicam a situaçom humanitária. E, 16 de Maio os Tigres perdem o seu acceso ao mar, vital para o seu fornecimento. O dia 17 os independentistas támis anunciam o fim dos combates e a deposiçom de armas. Mais de 250 dirigentes e quadros dos Tigres som abatidos nos últimos combates nas praias de Mullaitivu. Em 18 de Maio as autoridades cingalesas anunciam a morte de Velupillai Prabhakaran, dirigente histórico dos Tigres. O governo de Sri Lanka declara a derrota militar final dos Tigres do Támil.

Segundo as Nações Unidas, o último ataque governamental causou o desalojamento de 265.000 pessoas em campos de refugiados, a morte de mais de 6.500 civis e 14.000 feridos.

BIBLIOGRAFIA

«Juego de espejos: conflictos nacionales centro-periferia». F. Letamendia. Edit. Trotta (1997)

MAPAS
FIGURA 1
Percentagem de Támis por distrito segundo os recenseamentos de 2001.

FIGURA 2
Situaçom em Dezembro de 2005. Em vermelho, zonas controladas polos Tigres. Em laranja, zonas controladas polo governo com áreas controladas polos Tigres. Em amarelos, zonas controladas polo governo e reivindicadas polos Tigres para um Estado támil independente.

FIGURA 3
Situaçom territorial em Julho de 2007.

FIGURA 4
Zona reivindicada (em verde) polos Tigres támis e território controlado de facto (limites aproximados em amarelo) no momento do lançamento da ofensiva governamental de 2008-2009.




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