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No post anterior botavamos umhas risas ao tempo que nos explicavam o mecanismo desencadeante da crise financeira. Neste centramo-nos mais nos aspectos estruturais desta crise da mão de Arcadi Oliveres, catedrático de economia da Universitat de Barcelona, co-fundador de ATTAC Catalunya e presidente de Justícia i Pau. O que segue é um extracto dumha refrescante entrevista que publicava o passado mes de outubro Tempos Novos (na ediçom papel: nom a procurem na digital), num número centrado no tema “Bases para umha economia solidária”.
Por “economia” adoitamos entender desigualdade ou intempérie social. É umha palavra que nos pom medo e ademais, é o seu campo de saber. Pensa ainda nela em tanto que “oportunidade”?
Nisto som, se queres, conservador, porque lhe dou o conceito exacto que me explicárom o primeiro dia de faculdade. A economia é aquela ciência que tenta administrar os recursos escasos que nos subministra a natureza para transformá-los, e logo da sua conservaçom, obterem-se bens e serviços que permitam satisfazer necessidades primárias. Parece-me umha definiçom perfecta. Humanista, mesmo. Porém, ao que imos à segunda parte, damos com que o 75% da humanidade nom tem cubertas essas necessidades básicas. E quando surgem, como agora, momentos de crise, quando nos dim que a economia está em crise... a economia está em crise sempre, porque a sua missom nom se cumpre no 75% da povoaçom. Que agora se converta num 80% será um pequeno aumento, nunca um problema mais grave que o anterior.
A crise é permanente?
Muitas persoas dim-che, “olha, é que estamos numha situaçom tam grave que isto vai estoupar”. Estoupar? Estoupa diariamente! Federico Mayor Zaragoza, que passou tempo em Paris, na UNESCO, e que maneja dados fiáveis, repite em todos os seus discursos o mesmo: 60.000 mortos por fame cada dia. Um planeta que mata 60.000 persoas cada dia, que tem excedentes alimentários e que os estraga, está estoupando decote. Nom cómpre agardar a que venha a crise. Acontece só que seremos 75.000 e alguns deles do norte, que som, claro, os que mais doem...
A hegemonia do capital financeiro sobre o industrial, quando começa e com que conseqüências?
Coido que o poder está mais repartido. Em Catalunya falamos do tripartito e a nível mundial hai umha tripartiçom do poder, diria que entre o capital financeiro, o industrial e os médios de comunicaçom. Amais andam os três mesturados em muitas ocasiões. O senhor da empresa farmacéutica dispom de poder mediático, porque está no conselho de administraçom da CNN, do Washington Post ou do que for. E afortunadamente, os três poderes rifam entre si; de estarem de acordo, seria terrível. Às vezes, que sei eu, à General Motors quiçais nom lhe preste a especulaçom de George Soros com a libra esterlina, nem a este, os médios quando prognosticam que a libra vai ir mal. Aqui hai umha pequena mestura que gera discrepâncias. Mália que à fim vam unidos, sem dúvida.
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A especulaçom, no canto da planificaçom, é o paradigma das actuais operações econômicas?
Se cadra porque o capitalismo sacralizou o lucro. A base é o benefício e com isso desactivamos a idea de economia à que me referia antes. Temos economia para obter o máximo benefício, ou se me apuras, o máximo de soldo, de interesses bancários ou de patrimônio.
No entanto, durante a revoluçom industrial, na que tamém regia a acumulaçom de capitais, a especulaçom nom era tam medular.
Porque agora hai um processo básico na especulaçom, que é a informaçom. Agora hai um senhor que merca acções pola manhã em Madrid e as vende pola tarde em New York, com capacidade de informaçom para saber quanto cotizam ali a essas horas. Antes teria que manter umha conversa telefônica que seguramente se interromperia várias vezes... a informaçom é básica para a toma de decisões especulativas. E outra cousa que influiu foi a liberdade de movimento dos capitais. Podes sacar os teus cartos de Madrid para mercares acções em Londres ou New York, mentres que antano, apenas se sacavas dez mil pesetas, pilhava-te a Guarda Civil.
A crise que se nos conta, é resultado da especulaçom ou umha nova ocasiom para especular, ou ambas cousas?
A crise é connatural ao capitalismo. Hai pensadores econômicos que falárom de ciclos: Kondratieff, etc. Agora, eu diria que esta crise nom tem tanto um carácter financeiro, que seria ao emu ver conjuntural, coma alimentário e energético, que som motivos estruturais. Assi como a financeira sobe e baixa, em troques estas duas tenhem difícil soluçom. A crise de recursos nom tem resposta de nom mudar-mos as nossas fórmulas de consumo. A povoaçom aumenta quantitativa e qualitativamente; em número e porque exige cadora um maior abano de bens. Com todos os meus respeitos para os senhores da Índia ou da China, que tenhem igual direito de consumir que Occidente.
Ou igual de pouco.
Ou igual de pouco. O caso é que eles aumentam o consumo mentres que, ao tempo, os recurso diminuem. A auga é limitada e hai cousa dum ou dous anos que superamos o máximo de explotaçom petrolífera; estamos já na curva descendente. Polo tanto, a menos recurso e mais necessidade deles, ou resolvemos nós ou nom hai rem que fazer. Isto é estrutural. E a crise de alimentos assemelharia-se-lhe muito. Atopamo-nos com umha necessidade de alimentos cada vez maior, e qualitativamente distinta, porque antes em Ásia tomavam arroz e agora tomam carne, que precisa dumha produçom de cereais importante. Se lhe engadimos os agrocombustíveis –é dizer, alimentar o carro e nom a persoa- e outras variáveis, coma as malas colheitas em Austrália e noutros países e finalmente a especulaçom alimentária... temos o esquema feito.
O relevo que se predica para o petróleo nom só seria, de volta, a energia nuclear, senom tamém as renováveis. Vendidas como a panacea, a única soluçom certa devia ser um consumo decrecente?
Completamente de acordo. E coido que vai chegar, que faremos da necessidade virtude, como di o refraneiro castelám, e que quando nom podamos beber auga contaminada nem comer porcalhadas nem respirar o ar, daquela daremos em mudar os nosso hábitos. Mais, polo de agora, ficamos neste nível e procuramos falsas soluções. A das energias renováveis ainda nom seria mui falsa, porque é certo que o som, o sol é inesgotável, durará um milhom de anos, tempo dabondo. E o vento tamém. Quais som as mais falsas soluções? A nuclear e os agrocombustíveis. A gente parece nom lembrar que nom hai muito, 22 anos, sucedeu a catástrofe de Chernóbil, onde morrérom 300.000 persoas. Isto nom se pode admitir.
À marge do que poida propor um ministro de economia ou o FMI, haveria espaços para umha criaçom econômica social? Como gorecer-nos das intempéries criadas polo Capital?
Primeiro, sendo conscientes do que se agacha detrás del. A mensage é clara: privatizaçom do benefício e socializaçom das perdas. Se a empresa vai bem, todo para mim, e se vai mal já ajudará papá Estado. Funciona todo assi. Respostas? Decrecemento. E dumha maneira criativa, haveria que gerar pequenos espaços transformadores. Podemos construir umha banca ética? Fagamo-lo. Utilizar umha Taxa Tobin para frearmos a especulaçom financeira? Utilizemo-la. A mi, que por velho me gustaria que todo cambiasse de contado, mais que já vejo que nom o fai, aplico-me o que dim em chamar a teoria do creba-cabeças. Quando eramos cativos, davam-nos umha caixa rectangular com 6 peças por 4, em total 24 cubos, que havia que ir movendo até resolver umha nova image. Isto é o que eu quigera. Ir movendo fichas para que, com o tempo, se nos apareça umha nova image. Porque sempre foi assi. O capitalismo nom sai do armário às doze da noite e remata o feudalismo. Nom, os aristócratas vam perdendo poder e o capital comercial da burguesia vai ocupando o seu espaço. Logo fai-se industrial e despois financeiro. Por que nom podemos nós ir mudando as cousas desta maneira, para que apareça um novo sistema, ou muitos novos, se assi o pide o contexto mundial?
Semelha mais difícil este objectivo, porque no trânsito do feudalismo ao capitalismo nom se eliminou a explotaçom do ser humano.
Si, mais hai umha diferença mui importante, que é a tecnologia. Do feudalismo ao capitalismo, se um ano havia seca ou umha mala colheita, nom se comia. Agora, se todo isto ocorre, temos tamém progressos técnicos, sistemas de transporte, alertas comunicativas, para se cubrirem as necessidades.
“Economia solidária” seria um oxímoro. Afirma-se numha série de princípios sociais, mais nom acaba de romper com o esquema capitalista de haverem produtores e consumidores, senom que o reproduz.
Falavas antes de modelos criativos. Que nos intres de crise sempre houvo invençom econômica demostra-o a história. Quando Argentina ia mal, por caso, figeram potas populares; os piqueteiros ocupavam fábricas fechadas e volvia-nas ponher em pé. Esta imaginaçom existe e devemos aproveitá-la. Confio muito na tecnologia para fazer do sistema algo muito mais razoável.
A tecnologia permitiria a aboliçom do trabalho?
Adoito matinar na diminuiçom da jornada laboral. Sempre lho digo ao alunado, cada ano, e cada ano se me rim. Digo-lhes, o dia que vos jubiledes, havedes trabalhar quatro horas ao dia. E tenhem o mesmo direito a se rirem que aquel senhor ao que lhe dixesem, no s. XVIII, que trabalharia oito horas e nom dezaseis. Que podem ser de oito a quatro? Pois si. Que isso nos conduzirá ad infinitum ao trabalho zero? Quiçais. Nom o creo, porque a reduçom das jornadas gerará mais ócio, que tamém precisa de tempo de trabalho para se soster.
Porque o ócio, ainda que a invisibilize, require força de trabalho.
Esse é outro tema que deveriamos começar a tratar. É que hai muitos trabalhos, até o momento nom remunerados, que cumpria pagar ao 100%. A começarmos polo da mulher no fogar. Antano num hospital atopavas monjas por ofício e sem cobrarem um peso, e agora enfermeiras, supom-se que com umha nómina mensual.
As grandes multinacionais apropriárom-se do “comércio justo”. Nestlé ou Starbucks oferecem-lhes aos clientes a possibilidade de adquirirem produtos desta caste.
O capitalismo é umha turbamulta. Fijo-o tamém com o mercado ecológico. Absorbe-o todo. E isto, no mundo do comércio justo, está a ser um debate importante. Se no Caprabo ou no Carrefour ham de ter ou nom um andel para venderem os seus produtos. Ainda nom hai consenso ao respeito.
A separaçom entre capital e trabalho é outra receita econômica à que opormo-nos?
Nos meus tempos de faculdade, um excelente professor, que ainda vive, explicou-me que umha empresa é a conjunçom de interesses entre uns que achegam capital e outros que achegam força de trabalho. E que entre ambos transformam um produto num bem. Que aconteceu? Que com o passo do tempo, a idea de empresa foi-se incorporando mais à de capital e menos à de trabalho. Os periódicos catalães dim às vezes: “A Seat irá à República Checa”. Pois nom. O capital da Seat irá à República Checa. Porque até onde eu sei, os trabalhadores quedam em Martorell! Perdes a noçom de que quem fai a Seat som 8.000 persoas em Martorell. A maneira de evitarmos isso? A cooperativa.
A simple fórmula da cooperativa asseguraria um equilíbrio social entre as duas partes?
Som admirador do que aconteceu em Mondragon. Em 1983, hai já vinte e cinco anos, visitei a cooperativa em Euskadi. Agora a situaçom é mui distinta, mais naquela altura tinham, basicamente, instalações industriais. Faziam cozinhas Fagor e empregavam 35.000 persoas. Contaram-me que aquel número, ao estarem numha época de crise, nom o podiam manter. E a sua conclusom fora reduzir 5.000 postos. Apresentaram a proposta na assembleia de trabalhadores e esta respondeu que nom; vocês nom despidem a ninguém, dixeram, se sobra o 15% do quadro é tanto como que sobra o 15% da massa salarial. Daquela quitaram-se os 35.000 essa parte de soldo e ninguém foi à rua. Isso é a cooperativa. É fundamental unificar capital e trabalho. Agora Mondragon som 110.000 persoas, porque medrárom com os supermercados Eroski, com a Caixa Laboral Popular, tenhem companhia de seguros...
Seguramente os Eroski nom sejam um modelo de justiça laboral...
Nom, seguro que nom. E tenhem umha pega, que nom todos os trabalhadores tenhem a condiçom de cooperativistas. Mália que ao falares com Mondragon, dim-che que vam “em caminho de”. Nom é o melhor exemplo mais, ser como for, prefiro mercar no Eroski que noutras superfícies comerciais. Quando menos, com todo o que se queira, hai um mínimo de comportamento aceitável.
2 comentários:
Muito boa entrevista. Reflexões muito acertadas do Prof. Oliveres. Abraço de um português na alemanha, leitor assiduo do outraesquerda.
Alegra-me ver que temos algum leitor ;-) Confio em que siga a gostar do blog. Um abraço, e obrigado por deixar o seu comentário.
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