sábado, 30 de junho de 2007

Camilo Nogueira: Língua nacional, língua universal

Agardo que nom se enfadem em Vieiros por reproduzir aqui este artigo de Camilo Nogueira (originalmente aparecido aqui, 12/04/2005) no que reflite as ideas expostas no seu acto de nomeamento como membro de honra da AGAL. Pensamos que é um texto espléndido, que deveria ajudar a botar abaixo alguns prejuiços lingüísticos que som, aínda hoje, demasiado comuns.

Por certo, durante os vindeiros 10 dias nom aparecerám novos posts, vou-me de viage (de trabalho, eh) assi que aproveitai para ir lendo todos os artigos que tedes atrasados ;-)

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LÍNGUA NACIONAL, LÍNGUA UNIVERSAL

Não e este o lugar em que fazer umha reflexão demorada sobre as circunstâncias históricas e políticas que condicionarom para bem e para mal a situação da língua galega, nem para fazer largas considerações a respeito de todas as questões que têm a ver com o o seu carácter, desde a estruturação como língua culta na Idade Média, a difussâo no mundo polos portugueses e a imposição do castelám em Galiza polo poder monárquico até chegar, depois de cinco séculos, à experiencia como língua co-oficial no último quarto de século ou sobre a índole da pertença ao mundo do galego-português e a presença na União Europea. Mas si é possível pôr em evidência certos elementos da história política e da actualidade da língua que têm a ver com o carácter do galego como língua nacional e universal.

Língua culta na Península desde Compostela

A diferença de outras que nos séculos XIX servirom de fundamento a movimentos nacionais europeus, o galego não era na altura umha língua do povo sem historia institucional ou literária. Estruturada como norma culta no reino de Galiza desde Santiado de Compostela, fora hegemónica nos reinos medievais do centro e do ocidente peninsular em correspondência com o carácter de Gallaecia como o reino cristião originário frente a Espanha musulmana e como o principal reino cristião na Península. A Escola de Santiago constituira o vértice gerador hegemónico na literatura dos Cancioneiros escrita quer em Galiza e Portugal, quer em Toledo ou Sevilha.

Era a língua da cultura, não apenas da lírica como pretendem os que desde a ideologia espanhola pretendem reduzir a importancia histórica dessa realidade. Era língua de cultura muito antes do que o castelám, e o foi também da administração e da prosa quando as línguas romances substituirom ao latim como oficiais na Corte e na administração real. Passou a ocupar essa função tanto na Corte portuguesa desde o rei Dom Dinis como na Galiza, utilizado pola nobreza e a Igreja, no mesmo momento em que Afonso X o Sábio utilizou em Toledo o castelám.

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Na literatura dos séculos XII e XIV resulta imposível diferenciar pola língua os trovadores de além ou aquém Minho. Era galega a língua do reino de Portugal. Não foi por acaso, nem podia ser de outra maneira, sendo galegos os reis portugueses: o mesmo Afonso Henriquez foi chamado "pérfido galego" nas crónicas árabes quando tratou de conquistar a Badajoz musulmana. Portugal foi o resultado da independência de umha parte da Galiza bracarense. Como lembra Saravia, se Portugal prescindisse dos Cancioneiros e dos trovadores galegos e, também, da prosa galaica, os seus primeiros séculos como país independente ficarían orfos de cultura e de língua.


Negada abruptamente pola monarquia entanto que era língua franca mundial desde Portugal

Mais, no começo da Idade Moderna, submetido o Reino de Galiza polos Reis Católicos que usurparam o trono da rainha Joana, casada com o seu tio, Afonso V de Portugal, de ser usada sem reservas pola nobreza e a Igrexa amais de se-lo polo povo, foi negada abruptamente pola monarquia, tendo que refugiar-se no uso familiar e popular e nas actividades económicas tradicionais. O Reino de Galiza perdeu nese momento umha oportunidade de recuperar a súa autonomia como alicerce potencial de um futuro Estado ou de contribuir para a construir um amplo Estado centro-ocidental de língua galego-portuguesa.

Depois, integrados na monarquia central os poderes nobiliários e eclesiásticos galegos, todo o proceso peninsular de centralização política, administrativa e económica baixo as monarquias Habsburgo e Borbon, assí como a relação com América, produzíu-se na Galiza através do castelám. O galego foi especialmente marginado, com consequências de grande transcendência que ainda se sofrem, por umha Igreja galega espanholizada e regida principalmente por bispos de fora.

Durante séculos, e por causa da marginação, Galiza não contou tampouco con instituições económicas mercantís ou produtivas com o poder relevante necessário para acompanhar o movimento nacional e reivindicar a língua própria, nem as viu nascer no XIX no momento da emergência das nações. Eliminada a Junta do Reino da Galiza no primeiro terço desse século, o pais não contou no começo da Revolução Industrial com instituções lideradas por classes dirigentes educadas na estima e na responsabilidade do pais e da sua cultura.

Nunca esmoreceu

Porém, contra o que pretende umha ideología espanhola partilhada por certo galeguismo, o uso do galego nunca esmoreceu. Erradicado das instituções galegas, permaneceu no desenvolvimento do Estado portugués, así como nas súas possessões de ultramar. Acompanhou a aventura marítima que abria desde Portugal as portas de umha nova época, servindo de língua franca nas rotas de Oriente e fazendo-se presente em América, como ocorrera com o latim do Imperio romano na Gallaecia.

No século XIX, quando na estruturação de um Estado espanhol centralizado e uniformizado se pretendia umha segunda castelanização, o galego foi reivindicado polo nacionalismo, com a realidade é o símbolo de Rosalia Castro, como o cerne de umha cultura desenvolvida necessitada de umha institução estatal própria. Mas a norma fonética e ortográfica implícita usada não foi nem a histórica medieval galega, nem a que evoluíra em Portugal. Existia na Galiza um desconhecimento prático do galego escrito histórico e do tesouro dos Cancioneiros medievais e era de por si mesma avondo esforçada a luita polo reconhecimento no Estado espanhol da diferença nacional galega. No próprio movimento nacional a prática monolíngüe do galego tardou em constituir-se num comportamento normal, numha situação à que não deveu ser allea a realidade de os galeguistas pertencerem em geral á minoria falante do castelám, que no século XIX não passava do 5% da população.

Murguia e Castelao: a identidade do galego no movimento nacional

Ainda assí, a identidade do galego e do portugués foi assumida polo movimento nacional galego. Murguía, significativamente em 1906 no seu discurso da sessão inaugural da Real Academia Galega, afirmou que a língua común era falada daquela por "tres millóns de galegos, deceoito millóns de habitantes de Portugal e os seus dominios, doce no Brasil". Na mesma linha, confirmando as posições que eram defendidas polo Partido Galeguista na II República, Castelao escreveu no Sempre en Galiza que o galego tinha através do portugués um carácter universal, falando-se "con pequenas variantes (...) no Brasil, em Portugal e nas colónias portuguesas".

Não obstante, depois da ruptura dos galeguistas do interior com Castelao e da morte do dirigente histórico em Buenos Aires, com a disolução do Partido Galeguista e da sua tradição política no tempo escuro da Ditadura, aquela posição foi negada por um sector do galeguismo cultural. Foi o mesmo grupo que na transição democrática, de acordo com um poder autonómico dominado por forças políticas estatais, propiciou umha normativa ortográfica expresamente próxima á castelã, quando era possível pôr em prática as teses linguísticas do nacionalismo histórico e resultava necessário levar adiante umha pedagogia superadora da ideologia espanhola que identificaba o galego como unha língua rural minoritária e sem futuro e o portugués ou o brasileiro como idiomas extrangeiros e alheos.

Umhas condições mais favoráveis na batalha da normalização

Agora, logo de 24 anos de autonomia, encontramo-nos numha nova situação. Perdimos em grande medida anos preciosos, nos que se estragarom instrumentos institucionais dos que Galiza carecera durante séculos. A situação seria infinitamente melhor de ter Galiza outro Governo. Mas, ainda que pareza paradoxal, não é pior que a existente em 1981. Deve ser isto visto assi, particularmente, se se têm em conta as mudanças económicas e sociológicas que levarom a Galiza de ser umha sociedade rural a se-lo urbana e industrial e a padecer umha grave crise demográfica: sem instituições autonómicas e sem a co-oficialide do galego as transformações sofridas teriam sido enormemente destrutivas para a nossa língua.

As condições objectivas que temos hoje são mais favoráveis para ganha-la a batalha da normalização: melhorou o prestigio do galego, temos umha população relativamente educada na língua; experimentamos umha resistencia admirável da gente falante em largas capas sociais e zonas geográficas; contamos com a criatividade e o esfoço dos professores e dos escritores e com as valiosas investigações dos lingüísticas sobre o galego em Galiza e no mundo para além das posições normativas defendidas; devemos-lhes muito aos que defenderom a identidade e a convergência com o portugués; contamos com as possibilidades abertas apesar de todo polas instituções do Estatuto de Autonomia.

Nesta nova situação, sem esquecer o trabalho a fazer para concienciar à gente sobre o uso do galego e a respeito da transmisão geracional, absolutamente necessários e ineludíveis, os aspectos políticos da normalização devem subir à tona, entre outras cousas para contribuir para umha mudança favorável no Poder galego.

Nem regional, nem minoritária

O galego é umha língua nacional galega e universal. Nem é regional, nem é minoritária, como se considera implícita e mesmo explícitamente desde a ideologia que inspirou aos que governarom em Galiza nos anos da autonomia. Neste sentido, sem que isto seja contraditório com os esforços necessários para levar adiante o processo de normalização, a questão da norma não é neutral. Pertecendo ao mesmo Estado, umha norma próxima à castelã representa umha perigosa subordinação à língua institucionalmente dominante, deixando amais nas suas maos a língua das relações internacionais. A norma convergente com a língua irmã portuguesa ou brasileira amais de reconhecer a realidade da identidade comúm, favorece a recuperação efectiva polo galego da Galiza do carácter nacional e universal que monopoliza no Estado espanhol o castelám e serve para reforçar a autoestima dos galegos e a utilidade interna e externa da língua. A norma reintegrada não só nos aproxima á comúm, senão também, muito mais que a actual norma oficial, à língua falada polo nosso povo, particularmente na fonética. Resulta absurdo arredar-se artificialmente do português com a construição de umha norma diferente tanto da evolucionada na língua comúm como da galega histórica (o galego escrito não é mais galego, senão todo o contrário, por caracterizar-se visualmente pola extranha proliferação de "x" ou por utilizar o hoje ideológico "ñ" espanhol).

É certo que toda convergência normativa com o portugués e o brasileiro tem que fazer-se respeitando as diferenças reais e que deve ser realizada com toda a prudência necessaria e num horizonte temporal que ajude a eliminar os prejuizos históricos que nos tolhem.

200 milhões de falantes: o Brasil

Mas resulta insensato e umha sem-razão desprezar a imensa riqueza de o galego ter um carácter universal negando-se a reconhecer que a língua nascida e falada na Galiza tem potencialmente tudo em comúm coa estendida desde Portugal por quatro continentes, sendo a língua nacional de um Estado como o Brasil situado entre os paises de maior dimensión territorial e, com perto de 200 milhões de habitantes, entre os mais habitados e poderosos da Terra. Não tem nengúm sentido desprezar a preciosa alavanca da que se dispóm para elevar a auto-estima dos galegos, reconhecendo que naquela naçao-continente irmá se fala galego, como nós falamos o brasileiro.

Frente a esta realidade afortunada, a normativa que se instaurou oficialmente não respondeu a critérios estritamente lingüísticos, senão a juizos políticos alheos ao movimento nacional galego. Foi devedora de considerações que nunca serian aplicadas o inglés ou o castelám, negando para o galego o carácter diverso que se louva nas demais. Tratam de justificar essa norma como umha necessidade para o galego conservar o seu carácter como língua de seu, como se este carácter inequívoco da língua de Galiza fosse contraditório com o facto de ser falado também em Portugal e noutros continentes. Resulta tão contraditório como inadmisível, que as mesmas persoas e instituições que salientam como umha grande riqueza do castelám a sua "infinita variedade", aproveiten diferenças semelhantes ou de menor dimensão para tratarem de reduzir a féliz extensão do galego e construir umha língua expresamente divergente da portuguesa.

Isto não significa esquecer que o galego é principalmente a nossa língua nacional e que nasceu na Gallaecia e não na Lusitania. Por isso, com todo o respeito devido a posições ideológicas e históricas que possam servir de base a um Estado vicinho como Portugal, e com independência do que livremente fazam eles, os galegos não deberíamos usar a denominação de língua lusa, nem a de lusofonia, quando fazemos referência á língua galega ou á portuguesa. Esse uso resulta contraditório com o carácter do galego como língua nacional de Galiza. Tampouco podemos nem devemos enxergar o galego como umha máis das variedades vulgares ou dialectais da língua comúm, senão como umha forma nacional. Para falar a língua comúm não é necessário fazê-lo como em Lisboa, por muito que nessa capital se fale umha variante, ainda que minoritária, fundamental na língua de todos nós.

O galego e a ideologia histórica do Estado espanhol

Em fim, o dia em que o galego seja usado na Galiza sem reservas em todos os ámbitos da vida e quando os poderes do Estado espanhol se vejam obrigados a assumirem que das quatro línguas faladas no território que integra, duas e non só umha, têm um carácter universal, cairá umha parte fundamental da ideologia histórica do Estado, abrindo-se umha nova perspectiva para a emancipação da nação galega e para a convivência em liberdade.

Sendo próprio da nossa nação, o galego, a língua de Mendinho e Camões, de Rosalía e Machado de Assis, teve sempre um carácter universal. Primeiro desde a Galiza, utilizado como língua de culta em todos os reinos centro-ocidentais da Península, protagonizando obras que pertencem á literatura universal. Depois desde Portugal, constituíndose como língua franca no comércio com Oriente entre os séculos XV e XVI e difudindo-se por América, África, o Índico e o Pacífico. Hoje o galego pode falar-se já nas instituições da União Europea: já se falou com normalidade; só depende da sociedade galega que isto seja reconhecido oficialmente. Com Galiza e Portugal, com Angola e Mozambique e os demais Estados africanos, con Timor Leste, o galego tem neste momento umha especial e extraordinária dimensão universal desde o facho principal do Brasil.

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