segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Paul Lafargue: O direito à preguiça (e II)

Por fim! Derradeira entrega...
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III – Conseqüências da Superproduçom

Um poeta grego do tempo de Cícero, Antiparos, cantava deste modo a invençom da azenha (para moer os cereais): ia emancipar as mulheres escravas e volver traer a idade de ouro:

"Baixai o braço que fai girar a mó, ó moleiras, e dormide tranquilamente! Que o galo vos avise em vam de que já é dia! Dao impuxo às ninfas o trabalho das escravas e ei-las que saltam alegremente sobre a roda e eis que o eixo agitado rola com os seus raios, fazendo rodar a pesada pedra rolante. Vivamos da vida dos nossos pais e ociosos regozijemo-nos dos dons que a deusa nos concede." Infelizmente, os tempos livres que o poeta pagão anunciava nom vinhérom; a paixom cega, perversa e homicida do trabalho transforma a máquina libertadora em instrumento de sujeiçom dos homes livres: a sua produtividade empobrece-os.

Umha boa operária só fai co fuso cinco malhas por minuto, alguns teares circulares para tricotar fam trinta mil no mesmo tempo. Cada minuto da máquina equivale, portanto, a cem horas de trabalho da operária; ou entom cada minuto de trabalho da máquina dá à operária dez dias de repouso. Aquilo que passa coa indústria de malhas é mais ou menos verdade para todas as indústrias renovadas pola mecânica moderna. Mais que vemos nós? A medida que a máquina se aperfeiçoa e despacha o trabalho do home cumha rapidez e uma precisom incessantemente crecentes, o operário, em vez de prolongar o seu repouso proporcionalmente, redobra de ardor, como se quisesse rivalizar com a máquina. Ó concorrência absurda e mortal!

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Para que a concorrência do homem e da máquina tomasse livre curso, os proletários abolírom as sábias leis que limitavam o trabalho dos artesãos das antigas corporações; suprimírom os dias feriados (1) Como os produtores de entom só trabalhavam cinco dias de sete, temos que crer, como contam os economistas mentirosos, que viviam só de ar e de água fresca? Disso nada, tinham tempo livre para gozar as alegrias da terra, para fazer o amor, para se divertirem, para se saciar em honra do alegre deus da ociosidade. A triste Inglaterra, engaiolada no protestantismo, chamava-se entom a "alegre Inglaterra" (Merry England).
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Rabelais, Quevedo, Cervantes, os autores desconhecidos dos romances picarescos, fam-nos a boca auga coas suas narrativas daquelas monumentais patiscadas (2) com que se regalavam entom entre duas batalhas e duas devastações e nas quais tudo "era medido aos pratos". Jordaens e a escola flamenga escriviram-nas nas suas alegres telas. Sublimes estômagos gargantuescos, que é feito de vós? Sublimes cerebros que abarcávades todo o pensamento humano, que é feito de vós? Estamos moi diminuídos e moi degenerados. A vaca atacada de raiva, a batata, o vinho com fucsina e a augardente prussiana sabiamente combinados co trabalho forçado debilitárom os nossos corpos e diminuíram os nossos espíritos. E foi entom que o home encolheu o seu estômago e que a máquina aumentou a sua produtividade, é entom que os economistas nos pregam a teoria malthusiana, a religiom da abstinência e o dogma do trabalho? Mais era preciso arrancar-lhes a língua e tirá-la aos cães.

Porque a classe operária, coa sua boa fé simplista, se deixou doutrinar, porque, coa sua impetuosidade nativa, se precipitou cegamente para o trabalho e para a abstinência, a classe capitalista achou-se condenada à preguiça e ao prazer forçado, à improdutividade e ao superconsumo. Mais, se o supertrabalho do operário magoa a sua carne e atormenta os seus nervos, tamém é fecundo em dores para o burguês.

A abstinência à qual a classe produtiva se condena obriga os burgueses a dedicarem-se ao superconsumo dos produtos que ela manufatura desordenadamente. No início da produçom capitalista, hai um ou dous séculos, o burguês era um home ajuizado, de hábitos razoáveis e calmos; contentava-se coa sua mulher ou quase; bebia e comia moderadamente. Deixava aos cortesãos e às cortesãs as nobres virtudes da vida libertina. Hoje, nom hai filho de arrivista que nom se julgue obrigado a desenvolver a prostituiçom e a mercurializar o seu corpo para dar um objetivo ao trabalho que os operários das minas de mercúrio se imponhem; nom hai burguês que nom se farte de capões trufados e de Laffitte navegado, para encorajar os criadores de La Fleche e os vinhateiros do Bordelais. Nesta profissom, o organismo deteriora-se rapidamente, os cabelos caem, os dentes descarnam-se até à raiz, o tronco deforma-se, o ventre entripa-se, a respiraçom complica-se, os movementos tornam-se pesados, as articulações tornam-se anquilosadas, as falanges enodam-se. Outros, demasiado fracos para soportar as fatigas da libertinage, mais dotados da bossa do prudhomismo, dessecam o seu cérebro como os Garnier da economia política, como os Acolias da filosofia jurídica, a elucubrar grossos livros soporíficos para ocupar os tempos livres dos compositores e dos tipógrafos.

As mulheres da alta sociedade tenhem umha vida de mártir. Para provarem e fazerem valer as "toilettes" feéricas que as costureiras se matam a fazer, andam de manhã à noite de um lado para o outro, de um vestido para outro; durante horas abandonam a sua cabeça oca aos artistas capilares que, a todo o custo, querem saciar a sua paixom polos montões de postiços. Apertadas nos seus corsés, pouco a gusto nas suas botas, escotadas como para fazer corar um mineiro, voltejam noites inteiras nos seus bailes de caridade para recolherem alguns soldos para os pobres. Santas almas!

Para desempenhar a sua dupla funçom social de nom produtor e de superconsumidor, o burguês tivo nom só que violentar os seus gostos modestos, perder os seus hábitos de trabalho de hai dous séculos e entregar-se a um luxo desenfreado, às indigestões trufadas e aos excesos sifilíticos, mais tamém tivo que subtrair ao trabalho produtivo umha enorme massa de homes para conseguir ajudantes.

Eis alguns números que provam como é colossal essa diminuiçom de forças produtivas: de acordo com o censo de 1861, a populaçom de Inglaterra e do País de Gales compreendia 20.066.244 pessoas, das quais 9.776.259 do sexo masculino e 10.289.965 do sexo feminino. Se restamos os que som demasiado velhos ou demasiado novos para trabalhar, as mulheres, os adolescentes e as crianças improdutivas, despois as profissões ideológicas como por exemplo governantes, policia, clero, magistratura, exército, prostituiçom, artes, ciências, etc., despois as persoas exclusivamente ocupadas a comer o trabalho de outros sob a forma de renda fundiária, de juros, de dividendos, etc., restam por alto oito milhões de indivíduos dos dous sexos e de todas as idades, incluindo os capitalistas que funcionam na produçom, no comércio, na finança, etc. Nesses oito milhões contam-se:

Trabalhadores agrícolas (incluindo os pastores, os criados e criadas de lavoura que habitam na quinta) – 1.098.261
Operarios de fábricas de algodom, de lã, de cânhamo, de linho, de seda, de malha – 642.607
Operários de minas de carvom e de metal – 565.835
Operários metalúrgicos (alto-fornos, laminadores, etc.) – 396.998
Classe doméstica – 1.208.648

"Se sumamos o número dos trabalhadores têxteis ao dos das minas de carvom e de metal, obteremos o total de 1.208.442; se sumamos os primeiros e os das fábricas metalúrgicas, temos um total de 1.039.605 pessoas; ou seja, de ambas as vezes um número inferior ao dos modernos escravos domésticos. Eis o magnífico resultado da explotaçom capitalista das máquinas." (3)

A toda esta classe doméstica, cuja grandeza indica o grau atingido pola civilizaçom capitalista, hai que engadir a numerosa classe dos infelizes exclusivamente dedicados à satisfaçom dos gustos dispendiosos e fúteis das classes ricas, lapidadores de diamantes, rendeiras, bordadoras, encadernadores de luxo, costureiras de luxo, decoradores das casas de recreo, etc. (4)

Umha vez instalada na preguiça absoluta e desmoralizada polo prazer forçado, a burguesia, apesar das dificuldades que tivo para isso, adaptou-se ao seu novo estilo de vida. Encarou com horror qualquer alteraçom. A visom das miseráveis condições de existência aceitadas com resignaçom pola classe operária e a da degradaçom orgânica gerada pola paixom depravada polo trabalho aumentava ainda mais a sua repulsa por qualquer imposiçom de trabalho e por qualquer restriçom de prazeres.

Foi precisamente entom que, sem ter em conta a desmoralizaçom que a burguesia tinha imposto a si mesma como um dever social, os proletários resolvérom infligir o trabalho aos capitalistas. Ingénuos, tomaram a sério as teorias dos economistas e dos moralistas sobre o trabalho e maltrataram os rins para infligir a sua prática aos capitalistas. O proletariado arvorou a divisa: Quem nom trabalha, nom come; Lyon, em 1831, levantou-se polo chumbo ou polo trabalho, os federados de 1871 declararam o seu levantamento a revoluçom do trabalho.

A estes ímpetos de furor bárbaro, destrutivo de todo o prazer e de toda a preguiça burguesas, os capitalistas só podiam responder cumha repressom feroz, mais sabiam que, se tinham conseguido reprimir estas explosões revolucionárias, nom tinham afogado no sangue dos seus gigantescos massacres a absurda idea do proletariado de querer infligir o trabalho às classes ociosas e fartas, e foi para desviar essa infelicidade que se rodeárom de pretorianos, de policias, de magistrados, de carcereiros mantidos numha improdutividade laboriosa. Já nom se podem ter ilusões sobre o caráter dos exércitos modernos, som mantidos em permanência apenas para reprimir "o inimigo interno"; e assi que os fortes de Paris e de Lyon nom fôrom construídos para defender a cidade contra o estrangeiro, mais para esmaga-la no caso de revolta. E se fosse preciso um exemplo sem réplica, citemos o exército da Bélgica, desse país de Cocagne do capitalismo; a sua neutralidade é garantida polas potências europeas e, no entanto, o seu exército é um dos mais fortes em proporçom da populaçom. Os gloriosos campos de batalha do bravo exército belga som as planícies do Borinage e de Charleroi, é no sangue dos mineiros e dos operários desarmados que os oficiais belgas ensanguentam as suas espadas e ganham os seus galões. As nações europeas nom tenhem exércitos nacionais, mais si exércitos mercenários, que protegem os capitalistas contra o furor popular que os queria condenar a dez horas de mina ou de fábrica de fiaçom.

Portanto, ao apertar o cinto, a classe operária desenvolveu para além do normal o ventre da burguesia condenada ao superconsumo.

Para ser aliviada no seu penoso trabalho, a burguesia retirou da classe operária umha massa de homens moi superior à que continuava dedicada à produçom útil e condenou-na, por seu turno, à improdutividade e ao superconsumo. Mais este rebanho de bocas inúteis, apesar da sua voracidade insaciável, nom basta para consumir todas as mercadorias que os operários, embrutecidos polo dogma do trabalho, produzem como maníacos, sem os quererem consumir e sem sequer pensarem se se encontrarám persoas para os consumir.

Em presença desta dupla loucura dos trabalhadores, de se matarem de supertrabalho e de vegetarem na abstinência, o grande problema da produçom capitalista já nom é encontrar produtores e multiplicar as suas forças, mais descubrir consumidores, excitar os seus apetitos e criar-lhes necessidades fictícias. Umha vez que os operários europeus, que tremem de frio e de fame, recusam usar os tecidos que eles próprios tecem, beber os vinhos que eles próprios colhem, os pobres fabricantes, na sua bondade de coraçom, devem correr às antípodas para procurar quem os usará e quem os beberá: som centenas de milhões e de biliões que a Europa exporta todos os anos para os quatro cantos do mundo, para populações que nom tenhem nada que fazer com esses produtos (5) Mais os continentes explorados já nom som suficientemente vastos, som necessários países virges. Os fabricantes da Europa sonham noite e dia coa África, co lago sariano, com o caminho de ferro do Sudão, seguem com ansiedade os progressos dos Livingstone, dos Stanley, dos Du Chailiu, dos de Brazza; coa boca aberta, escoitam as histórias marabilhosas desses corajosos viajantes. Que maravilhas desconhecidas encerra o "continente negro"! Campos som plantados de dentes de elefantes, rios de óleo de coco arrastram no seu curso palhetas de ouro, milhões de cus negros, nus como o rosto de Dufaure ou de Girardin esperam polos tecidos de algodom para aprenderem a decência, polas garrafas de aguardente e polas bíblias para conhecerem as virtudes da civilizaçom.

Mais todo é insuficiente: o burguês que se farta, a classe doméstica que sobrepassa a classe produtiva, as nações estrangeiras e bárbaras que se enchem de mercadorias europeas; nada, nada pode conseguir esgotar as montanhas de produtos que se amontoam maiores e mais altas do que as pirâmides do Egito: a produtividade dos operários europeus desafia todo o consumo, todo o desperdício. Os fabricantes, doidos, já nom sabem que fazer, já nom conseguem encontrar matéria-prima para satisfazer a paixom desordenada, depravada, que os seus operários tenhem polo trabalho. Nos nossos distritos onde hai lã, desfiam-se trapos manchados e meio podres, fam-se com eles panos chamados de renacemento, que duram o mesmo que as promessas eleitorais; em Lyon, em vez de deixar à fibra sedosa a sua simplicidade e a sua flexibilidade natural, sobrecargam-na de sais minerais que, ao aumentarem-lhe o peso, a tornam friável e de pouco uso. Todos os nossos produtos som adulterados para facilitar o seu escoamento e abreviar a sua existência. A nossa época será chamada a idade da falsificaçom, tal como as primeiras épocas da humanidade receberam os nomes de idade da pedra, idade de bronze, polo caráter da sua produçom. Os ignorantes acusam de fraude os nossos piedosos industriais, enquanto que na realidade o pensamento que os anima é o de fornecer trabalho aos operários, que nom conseguem resignar-se a viver de braços cruzados. Estas falsificações, que tenhem como único móbil um sentimento humanitário, mais que rendem soberbos lucros aos fabricantes que as praticam, se som desastrosas para a qualidade das mercadorias, se som umha fonte inesgotável de desperdício de trabalho humano, provam a filantrópica habilidade dos burgueses e a horrível perversom dos operários que, para saciarem o seu vicio do trabalho, obrigam os industriais a abafar os gritos da sua consciência e até mesmo a violar as leis da honestidade comercial.

E, no entanto, apesar da superproduçom de mercadorias, apesar das falsificações industriais, os operários atravancam o mercado em grandes grupos implorando: trabalho! trabalho! A sua superabundância devia obrigá-los a refrear a sua paixom; polo contrário, levam-na ao paroxismo. Em quanto se presenta umha possibilidade de trabalho, logo se tiram a ela; entom som doze, catorze horas que reclamam para estarem fartos até à saciedade e no dia seguinte ei-los de novo na rua, sem mais nada para alimentarem o seu vicio. Todos os anos, em todas as indústrias, os despedimentos surgem com a regularidade das estações. Ao supertrabalho perigoso para o organismo sucede-se o repouso absoluto durante dous ou quatro meses; e, nom havendo trabalho, nom hai a raçom diária. Umha vez que o vício do trabalho está diabolicamente enquistado no coraçom dos operários; umha vez que as suas exigências abafam todos os outros instintos da natureza; umha vez que a quantidade de trabalho exigida pola sociedade é forçosamente limitada polo consumo e pola abundância de matéria-prima, por que razom devorar em seis meses o trabalho de todo o ano? Porque nom distribuí-lo uniformemente por doze meses e forçar todos os operários a contentar-se com seis ou cinco horas por dia, durante o ano, em vez de apanhar indigestões de doze horas durante seis meses? Seguros da sua parte diária de trabalho, os operários já nom se envejarám, já nom se baterám para arrancarem mutuamente o trabalho das mãos e o pão da boca; entom, nom esgotados de corpo e de espírito, começarám a praticar as virtudes da preguiça.

Embrutecidos polo seu vício, os operários nom conseguírom elevar-se à comprensom deste feito segundo o qual, para ter trabalho para todos era preciso racioná-lo como a auga num navio em perigo. No entanto, os industriais, em nome da explotaçom capitalista, já hai moito que pediram um limite legal do dia de trabalho. Perante a Comissom de 1860 sobre o ensino profissional, um dos maiores manufatureiros da Alsácia, o Sr. Bourcart, de Guebwiller, declarava: "O dia de trabalho de doze horas era excessivo e devia ser reduzido para onze e aos sábados devia-se suspender o trabalho às duas horas. Podo aconselhar a adopçom desta medida aínda que pareça onerosa à primeira vista; experimentamo-la nos nossos estabelecimentos industriais hai já quatro anos e demo-nos bem e a produçom média, longe de diminuir, aumentou."

No seu estudo sobre as máquinas, o Sr. F. Passy cita a seguinte carta de um grande industrial belga, o Sr. M. Ottavaere:

"As nossas máquinas, embora sejam as mesmas que as das fábricas de fiaçom inglesas, nom produzem o que deveriam produzir e o que produziriam essas mesmas máquinas em Inglaterra, embora as fábricas de fiaçom funcionem duas horas menos por dia. [...] Trabalhamos todos duas longas horas a mais, estou convencido de que, se trabalhássemos onze horas em vez de treze, teríamos a mesma produçom e, por conseguinte, produziríamos mais economicamente. " Por outro lado, o Sr. Leroy-Beaulieu afirma que "um grande manufatureiro belga observa moi bem que nas semanas em que calha um dia feriado a produçom nom é inferior às das semanas normais" (6).

Aquilo que o povo, logrado na sua ingenuidade polos moralistas, nunca ousou, ousou-no um governo aristocrático. Desprezando as elevadas considerações morais e industriais dos economistas, que, como as aves de mau agoiro, cacarejavam que diminuir umha hora o trabalho das fábricas era decretar a ruína da indústria inglesa, o governo de Inglaterra proibiu por lei, estritamente observada, trabalhar mais de dez horas por dia; e, despois disso tal como antes, a Inglaterra continua a ser a primeira naçom industrial do mundo.

Eis a grande experiência inglesa, eis a experiência de alguns capitalistas inteligentes, ela demostra irrefutavelmente que, para reforçar a produtividade humana, tem que se reduzir as horas de trabalho e multiplicar os dias de pagamento e os feriados, e o povo francês nom está convencido. Mais se umha miserável reduçom de duas horas aumentou em dez anos a produçom inglesa em cerca de um terço (7), que ritmo vertiginoso imprimiria à produçom francesa uma reduçom geral de três horas no dia de trabalho? Os operários nom conseguem compreender que, cansando-se excessivamente, esgotam as suas forças antes da idade de se tornarem incapazes para qualquer trabalho; que absorvidos, embrutecidos por um único vício, já nom som homes, senom restos de homes; que matam neles todas as belas faculdades para só deixarem de pé, e luxuriante, a loucura furiosa do trabalho.

Ah! como papagaios de Arcádia repitem a liçom dos economistas: "Trabalhemos, trabalhemos para aumentar a riqueza nacional." O idiotas! é porque trabalhades demais que a ferramenta industrial se desenvolve lentamente. Deixai de vociferar e escoitai um economista; el nom é um águia, nom é o Sr. L. Reybaud, que tivemos a felicidade de perder hai alguns meses: "Dum modo geral, é na base das condições de mão-de-obra que se regula a revoluçom nos métodos de trabalho. Mentres a mão-de-obra fornece os seus serviços a baixo preço, derrocham-na; e procuram aforrá-la quando os seus serviços se tornam mais caros." (8)

Para forçar os capitalistas a aperfeiçoarem as suas máquinas de madeira e de ferro, é preciso elevar os salários e diminuir as horas de trabalho das máquinas de carne e osso. As provas? Podemos fornecê-las às centenas. Na fábrica de fiaçom, o tear mecânico (self acting mule) foi inventado e aplicado em Manchester, porque os fiandeiros se recusavam a trabalhar tanto tempo como antes.

Na América, a máquina invadiu todos os ramos da produçom agrícola, desde a elaboraçom da manteiga até à sacha dos trigos: porquê? Porque o Americano, livre e preguiçoso, preferiria morrer mil vezes a ter a vida bovina do labrego francês. A lavra, tam penosa na nossa gloriosa França, é, no Oeste americano, um agradável passatempo ao ar livre que se pratica sentado, fumando descuidadamente o seu cachimbo.

Notas do Capitulo 3:

(1) No Antigo Regime, as leis da Igreja garantiam ao trabalhador 90 dias de descanso (52 domingos e 38 dias feriados) durante os quais era estritamente proibido trabalhar. Era o grande crime do catolicismo, a causa principal da irreligiom da burguesia industrial e comercial. Na Revoluçom, no momento em que esta foi senhora da situaçom, aboliu os dias feriados e substituiu a semana de sete dias pola de dez. Libertou os operários do jugo da Igreja para melhor os submeter ao jugo do trabalho. O ódio polos dias feriados só aparece quando a moderna burguesia industrial e comerciante ganha corpo, entre os séculos XV e XVI. Henrique IV pediu a sua reduçom ao Papa; este recusou, porque "umha das heresias que correm atualmente di respeito às festas" (carta do cardeal d'Ossat). Mais, em 1666, Perefixe, arcebispo de Paris suprimiu 17 na sua diocese. O protestantismo, que era a religiom cristã adaptada às novas necessidades industriais e comerciais da burguesia, preocupou-se menos do descanso popular; destronou no céu os santos para abolir na terra as suas festas. A reforma religiosa e o livre pensamento filosófico nom eram senom pretextos que permitiram à burguesia jesuíta e voraz escamotear os dias de festa do popular.

(2) Estas festas pantagruélicas duravam semanas. Don Rodrigo de Lara ganha a sua noiva expulsando os Mouros de Calatrava-a-velha e o Romancero narra que:

Las bodas fueron en Burgos, Las tornabodas en Salas: En bodas y tornabodas Passaron siete semanas Tantas vienen de las gentes, Que no caben por las plazas... (As bodas foram em Burgos, o regresso das bodas em Salas; em bodas e regresso de bodas passárom sete semanas; acodem tantas persoas que nom cabem nas praças...) Os homens destas bodas de sete semanas eram os heróicos soldados
das guerras da independência.

(3) Karl Marx, O Capital, t. III.

(4) "A proporçom segundo a qual a populaçom dum pais é empregada como doméstica, ao serviço das classes enriquecidas, indica o seu progresso em riqueza nacional e em civilização.)" (R. M. Martin, Ireland before and after the Union, 1818.) Gambetta, que negava a questom social, despois de já nom ser avogado pobre do Café Procope, queria certamente referir-se a essa classe doméstica sempre crescente quando reclamava o advento das novas camadas sociais.

(5) Dous exemplos: o governo inglês, para agradar aos países indianos que, apesar das fames periódicas que desolam o país, teimam em cultivar a dormideira em vez de arroz ou de trigo, viu-se obrigado a empreender guerras sangrentas para impor ao governo chinês a livre introduçom do ópio indiano. Os salvages da Polinésia, apesar da mortalidade resultante, viram-se obrigados a vestirem-se e a embriagarem-se à inglesa para consumirem os produtos das destilarias da Escócia e dos teares de Manchester.

(6) Paul Leroy-Beaulieu, La Question Ouvriere au XIV siecle, 1872.

(7) Eis, segundo o célebre estatístico R. Giffen, do Departamento de Estatística de Londres, a progressom crecente da riqueza nacional da Inglaterra e da Irlanda em:1814 - 55 mil milhões de francos; 1865- 162,5 mil milhões de francos; 1875- 212,5 mil milhões de francos.

(8) Louis Reybaud, Le Coton, son Régime, ses Problêmes, 1863.



IV - Para Nova Música, Nova Cançom


Se, diminuindo as horas de trabalho, se conquista para a produçom social novas forças mecânicas, obrigando os operários a consumir os seus produtos, conquistará-se um enorme exército de forças de trabalho. A burguesia, liberta entom da sua tarefa de consumidor universal, apressará-se a licenciar a barafunda de soldados, magistrados, jornalistas, procuradores, etc., que retirou do trabalho útil para a auxiliar a consumir e a desperdiçar. É entom que o mercado do trabalho ficará a rebosar, é entom que será necessária umha lei de ferro para proibir o trabalho: será impossível encontrar trabalho para este bando de anteriores improdutivos, mais numerosos que os piolhos da madeira. E a seguir a eles será necessário pensar em todos aqueles que proviam as suas necessidades e gostos fúteis e dispendiosos. Quando já nom houver mais lacaios e generais a quem dar galões, mais prostitutas livres e casadas para cubrir de rendas, mais canhões para furar, mais palácios para construir, será necessário impor, através de leis severas, às operárias e aos operários de passamanaria, de rendas, de ferro, de construçom civil, higiênicos passeos em escaler e os exercícios coreográficos para o restabelecimento da sua saúde e o aperfeiçoamento da sua raça. Desde que os produtos europeus consumidos no local nom sejam transportados para o diabo, será preciso que os marinheiros, as tripulações, os camionistas se sentem e aprendam a passar o tempo na ociosidade. Os bem-aventurados Polinésios poderám entom entregar-se ao amor livre sem recear os pontapés da Vênus civilizada e os sermões da moral européia.

Hai mais. Para encontrar trabalho para todos os nom valores da sociedade atual, para deixar a ferramenta industrial desenvolver-se indefinidamente, a classe operária deverá, tal como a burguesia, violentar os seus gostos abstinentes e desenvolver indefinidamente as suas capacidades consumidoras. Em vez de comer por dia umha ou duas onças de carne dura, quando a comer, comerá alegres bifes de umha ou duas libras; em vez de beber moderadamente mau vinho, mais papista que o papa, beberá grandes e profundos copázios de bordéus, de borgonha, sem batismo industrial, e deixará a auga para os animais. Os proletários metérom na cabeça infligir aos capitalistas dez horas de forja e de refinaria; eis o grande erro, a causa dos antagonismos sociais e das guerras civis. Será necessário nom impor o trabalho mais proibi-lo. Será permitido aos Rothschild e aos Say provarem que fôrom durante toda a sua vida perfeitos velhacos; e se eles jurarem que querem continuar a viver como perfeitos velhacos, apesar do arrebatamento geral polo trabalho, serám registrados e, nas respectivas câmaras, receberám todas as manhãs umha moeda de vinte francos para os seus pequenos prazeres. As discórdias sociais desaparecerám. Os que vivem das rendas, os capitalistas, serám os primeiros a unir-se ao partido popular, umha vez convencidos de que, longe de se lhes querer mal, se pretende polo contrário livrá-los do trabalho de superconsumo e de desperdício polo qual foram esmagados desde o seu nacemento. Quanto aos burgueses incapazes de provar os seus títulos de velhacos, deixarám-lhes seguir os seus instintos: existe um número suficiente de profissões nojentas para os colocar. Dufaure limparia as latrinas públicas; Galliffet assassinaria os porcos sarnosos e os cavalos inchados; os membros da comissom das graças, enviados a Poissy (1), marcariam os bois e os carneiros para abater; os senadores, ligados às pompas fúnebres, farám de gatos-pingados. Para outros, encontrarám-se profissões à altura da sua inteligência. Lorgeril e Broglie rolharão as garrafas de champanhe, mais seriam amordaçados para nom se embriagar; Ferry, Freycinet, Tirard, destruiriam os percevejos e os vermes dos ministérios e de outros albergues públicos. No entanto, será necessário por os dinheiros públicos fora do alcance dos burgueses por se recear os hábitos adquiridos.

Mais tirará-se umha dura e longa vingança dos moralistas que perverteram a natureza humana, beatos falsos, santurrões, hipócritas "e outras seitas de persoas como estas que se disfraçaram para enganar o mundo. Porque, dando a entender ao popular comum que nom se ocuparam senom em contemplações e devoçom, em jejuns e macerações da sensualidade, senom realmente para sustentar e alimentar a pequena fragilidade da sua humanidade: polo contrário, zombam. E Deus sabe de que maneira! Et Curios simulant sed Bacchnalia vivunt (2). Podedes lê-lo em grandes letras e em iluminuras nos seus focinhos vermelhos e no seu ventre saliente, quando nom se perfumam de enxofre" (3).

Nos dias de grandes festas populares, onde, em vez de comerem pó como nos 15 de Agosto e nos 14 de Julho dos burgueses, os comunistas e os coletivistas fizeram andar as botelhas e os xamões e voar as taças, os membros da Académia das Ciências Morais e Políticas, os padres de vestes longas e curtas da igreja econômica, católica, protestante, judaica, positivista e livre pensadora, os propagadores do malthusianismo e da moral cristã, altruísta, independente ou submetida, vestidos de amarelo, segurarám na vela até se queimarem os dedos e vivirám em fame junto das mulheres gaulesas e das mesas carregadas de carnes, de frutos e de flores e morrerám de sede juntos dos tonéis destapados. Quatro vezes por ano, quando as estações mudarem, tal como aos cães dos amoladores ambulantes, encerrarám-nos nas grandes rodas e durante dez horas obrigarám-nos a moer vento. Os advogados e os legistas sufrirám a mesma pena.

Num regime de preguiça, para matar o tempo que nos mata segundo a segundo, haverá sempre espetáculos e representações teatrais; é um trabalho dotado especialmente para os nossos burgueses legisladores. Organizaremo-los em bandos que percorrem as feiras e as aldeas, dando representações legislativas. Os generais, com botas de montar, o peito agaloado de atacadores, de crachás, de cruzes da Legiom de honra, irám polas ruas e polas praças, recrutando as boas persoas. Gambetta e Cassagnac, seu compadre, farám a pantominice da porta. Cassagnac, em fato de gala de mata-mouros, revirando os olhos, torcendo o bigote, cuspindo a estopa inflamada, ameaçará todos coa pistola do pai e caerá num buraco em quanto lhe mostrem um retrato de Luílier; Gambetta discorrerá sobre a política externa, sobre a pequena Grécia que o endoutoriza e largará fogo à Europa para roubar a Turquia; sobre a grande Rússia que o estultifica coa compota que ela promete fazer coa Prússia e que deseja a oeste da Europa feridas e inchaços para enriquecer a leste e estrangular o niilismo no interior; sobre o Sr. Bismarck, que foi bastante bom para lhe permitir que se pronunciasse sobre a amnistia... despois, desnudando a sua vasta barriga pintada a três cores, tocará nela a chamada e enumerará os deliciosos animaizinhos, as verdelhas, as trufas, os vasos de Margaux e de Yquem que tragou para encorajar a agricultura e manter alegres os eleitores de Belleville. Na barraca, começará-se pola Farsa Eleitoral.

Diante dos eleitores com cabeças de madeira e orelhas de burro, os candidatos burgueses, vestidos como palhaços, dançarám a dança das liberdades políticas, limpando a face e o posfácio cos seus programas eleitorais de múltiplas promessas e falando com bágoas nos olhos das misérias do povo e com voz de bronze das glórias da França; e as cabeças dos eleitores gritam em coro e solidamente: hi han! hi han!

Despois começará a grande peça: O Roubo dos Bens da Naçom.

A França capitalista, enorme fêmea, de face peluda e de crânio calvo, deformada, com carnes flácidas, balofas, deslavadas, com olhos sem vida, ensonada e bocejando, está reclinada num canapé de veludo; a seus pés, o Capitalismo industrial, gigantesco organismo de ferro, cumha máscara simiesca, devora mecanicamente homes, mulheres, crianças, cujos gritos lúgubres e terríveis enchem o ar; a Banca com focinho de fuinha, com corpo de hiena e mãos de harpia, rouba-lhe habilmente do bolso as moedas de cem soldos. Hordas de miseráveis proletários descarnados, escoltados por gendarmes, de sabre desembainhado, expulsos polas fúrias que os zurzem com os chicotes da fame, traem para os pés da França capitalista montes de mercadorias, barricas de vinho, sacos de ouro e de trigo. Langlois, cos calções numha mão, o testamento de Proudhon na outra, o livro do orçamento entre os dentes, pom-se à frente dos defensores dos bens da naçom e monta a garda. Umha vez depostos os fardos, mandam expulsar os operários à coronhada e a golpes de baioneta e abrem a porta aos industriais, aos comerciantes e aos banqueiros.

De cambolhada, eles precipitam-se sobre o monte, tragando tecidos de algodom, sacos de trigo, lingotes de ouro, despejando pipas; sem poderem mais, sujos, nojentos, ficam prostrados nos seus excrementos e nos seus vômitos... Entom ribomba o trovom, a terra agita-se e entreabre-se, surge a Fatalidade histórica; co seu pé de ferro esmaga as cabeças daqueles que soluçam, cambaleiam, caem e já nom podem fugir, e com a sua grande mão derruba a França capitalista, estupefacta e suando de medo.

Se, arrancando do seu coraçom o vício que a domina e envilece a sua natureza, a classe operária se erguesse coa sua força terrível, nom para reclamar os Direitos do Home, que nom som senom os direitos da explotaçom capitalista, nom para reclamar o Direito ao Trabalho, que nom é senom o direito à miséria, mais para forjar umha lei de bronze que proíba a todos os homes trabalhar mais de três horas por dia, a Terra, a velha Terra, tremendo de alegria, sentiria saltar nela um novo universo... Mais como pedir a um proletariado corrompido pola moral capitalista umha resoluçom viril?

Tal como Cristo, a triste personificaçom da escravitude antiga, os homes, as mulheres, as crianças do Proletariado sobem penosamente hai um século o duro calvário da dor: desde hai um século que o trabalho forçado quebra os seus ossos, magoa as suas carnes, acaba cos seus nervos; desde hai um século que a fame torce as suas entranhas e alucina os seus cerebros!... Ó Preguiça, tem piedade da nossa longa miséria! Ó Preguiça, mãe das artes e das nobres virtudes, sê o bálsamo das angústias humanas!

Notas do Capitulo 4:

(1) Poissy: Prisom Central.

(2) Simulam ser Curius e vivem como nas Bacanais (Juvenal).

(3) Pantagruel, t. II, Cap. LXXIV.


Apêndice


Os nossos moralistas som persoas moi modestas; se inventárom o dogma do trabalho, duvidam da sua eficácia para tranquilizar a alma, regozijar o espírito e manter o bom funcionamento dos rins e outros órgãos; querem experimentar a sua utilizaçom nos humildes, in anima vili antes de o voltar contra os capitalistas, cujos vícios tenhem como missom desculpar e autorizar.

Mais, filósofos de baratilho, porquê vos preocupades assi de elucubrar umha moral cuja prática nom ousades aconselhar aos vossos senhores? O vosso dogma do trabalho, do qual vos mostrades tam orgulhosos, queredes vê-lo escarnecido, amaldiçoado? Abramos a história dos povos antigos e os escritos dos seus filósofos e dos seus legisladores.

"Nom podo afirmar, di o pai da história, Heródoto, que os Gregos receberam dos Egípcios o desprezo que tenhem polo trabalho, porque encontro o mesmo desprezo estabelecido entre os Trácios, os Citas, os Persas e os Lídios; numha palavra, porque, na maior parte dos bárbaros, aqueles que aprendem as artes mecânicas e até mesmo os seus filhos som considerados como os últimos cidadãos.. - Todos os Gregos foram educados nestes princípios, especialmente os Lacedemónios." (1)

"Em Atenas, os cidadãos eram verdadeiros nobres que só se deviam ocupar da defensa e da administraçom da comunidade, como os guerreiros salvages de onde tinham origem. Devendo, portanto, estar livres todo o tempo para velar, coa sua força intelectual e física, polos interesses da República, encargavam os escravos de todo o trabalho.

O mesmo sucedia coa Lacedemónia, onde até as mulheres nom deviam nem fiar nem tecer para nom se furtarem à sua nobreza." (2)

Os Romanos só conhecem duas profissões nobres e livres, a agricultura e as armas; todos os cidadãos viviam por direito à custa do Tesouro, sem poderem ser obrigados a prover à sua subsistência por nengum dos sordidae artes (designavam assi os mesteres) que pertenciam por direito aos escravos. Brutus, o Velho, para levantar o povo, acusou sobretudo Tarquínio, o tirano, de ter feito dos artesãos e dos pedreiros cidadãos livres (3).

Os filósofos antigos discutiam entre si sobre a orige das idéias, mas estavam de acordo se se tratava de abominar o trabalho.

"A natureza, di Platom, na sua utopia social, na sua Republica modelo, a natureza nom fizo nem o sapateiro nem o ferreiro; essas ocupações degradam as persoas que as exercem, vis mercenários, miseráveis sem nome que polo seu própio estado som excluídos dos direitos políticos. Quanto aos mercadores acostumados a mentir e a enganar, só serám soportados na cidade como um mal necessário. O cidadão que se tiver envilecido polo comércio será perseguido por esse delito. Se se provar a acusaçom, será condenado a um ano de prisom. O castigo será duplicado em cada reincidência." (4)

No seu Económico, Xenofonte escrive:

"As persoas que se dedicam aos trabalhos manuais nunca som elevadas a altos cargos, e é razoável. Condenadas na sua grande parte a estar sentadas todo o dia, algumhas mesmo a soportar um fogo contínuo, nom podem deixar de ter o corpo alterado e é moi difícil que o espírito nom se ressinta disso."

"Que pode sair de honroso dumha tenda? - confessa Cícero - e que é o que o comércio pode produzir de honesto? Todo o que se chama tenda é indigno dum home honesto [...] umha vez que os mercadores nom podem ganhar sem mentir, e que hai mais vergonhoso que a mentira? Portanto, deve-se encarar como algo de baixo e de vil o mester de todos aqueles que vendem o seu esforço e a sua indústria, porque todo aquel que dá o seu trabalho por dinheiro vende-se a si mesmo e pom-se ao nível dos escravos." (5)

Proletários, embrutecidos polo dogma do trabalho, compreendedes a linguage destes filósofos, que escondem de vós com cioso cuidado: - Um cidadão que dá o seu trabalho em troca de dinheiro degrada-se ao nível dos escravos, comete um crime, que merece anos de prisom?

A hipocrisia cristã e o utilitarismo capitalista nom tinham pervertido estes filósofos das Repúblicas antigas; dirigindo-se a homes livres, expunham ingenuamente o seu pensamento. Platom, Aristóteles, esses pensadores gigantes, cujos calcanhares os nossos Cousin, os nossos Caro, o nossos Simon só podem atingir pondo-se nas puntas dos pés, queriam que os cidadãos das suas Repúblicas ideais vivessem na maior ociosidade, porque, engadia Xenofonte, "o trabalho quita todo o tempo e com el nom hai nengum tempo livre para a República e para os amigos". Segundo Plutarco, o grande título de Licurgo, "o mais sábio dos homes" para admiraçom da posteridade, era ter concedido a ociosidade aos cidadãos da República proibindo-os de exercer qualquer mester (6).

Mais, responderám os Bastiat, os Dupanloup, os Beaulieu e companhia da moral cristã e capitalista, esses pensadores, esses filósofos preconizavam a escravitude. - Perfeitamente, mais acaso podia ser de outro modo atendendo às condições econômicas e políticas da sua época? A guerra era o estado normal das sociedades antigas; o home livre devia dedicar o seu tempo a discutir os assuntos de Estado e a velar pola sua defensa, os mesteres eram entom demasiado primitivos e demasiado grosseiros para que, ao praticá-los, se pudesse exercer a profissom de soldado e de cidadão; para possuírem guerreiros e cidadãos, os filósofos e os legisladores deviam tolerar os escravos nas Repúblicas heróicas. - Mais os moralistas e os economistas do capitalismo nom preconizam o salariado, a escravitude moderna? E a que homes concede a escravitude capitalista a ociosidade? - Aos Rothschild, aos Schneider, às Sr.as Boucicaut, inúteis e prejudiciais, escravos dos seus vícios e dos seus criados. "O preconceito da escravitude dominava o espírito de Pitágoras e de Aristóteles", escriviu-se desdenhosamente; e no entanto Aristóteles previa que "se cada utensílio pudesse executar sem intimaçom, ou entom por si só, a sua função própia, tal como as obras-primas de Dédalo se moviam por si mesmas ou tal como os tripés de Vulcano que se punham espontaneamente ao seu trabalho sagrado; se, por exemplo, as lançadeiras dos tecelões tecessem por si próprias, o xefe de oficina já nom teria necessidade de ajudantes, nem o senhor de escravos".

O sonho de Aristóteles é a nossa realidade. As nossas máquinas a vapor, com membros de aceiro, infatigáveis, de maravilhosa e inesgotável fecundidade, realizam por si própias docilmente o seu trabalho sagrado; e, sem embargo, o gênio dos grandes filósofos do capitalismo continua a ser dominado polo preconceito do salariado, a pior das escravitudes. Ainda nom comprendem que a máquina é o redentor da humanidade, o Deus que resgatará o homem das sórdidas artes e do trabalho assalariado, o Deus que lhe dará tempos livres e a liberdade.

Notas do Apêndice:

(1) Herodoto, t. II, trad. Larcher, 1876.

(2) Biot, De l'Abolition de l'Esclavage Ancien en Occident, 1840.

(3) Tito Lívio, L. 1.

(4) Platom, Repúblicas, 1. V.

(5) Cícero, Des Devoirs, 1, tít. II, cap. XLII.

(6) Platom, República, V e As Leis, III; Aristóteles, Política, II e VII; Xenofontes, Económico, IV e VI; Plutarco, Vida de Licurgo.

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