A Gronelândia é a maior ilha do mundo com dous milhões de quilómetros quadrados e umha populaçom duns 56.000 habitantes (num 88% composta polo povo Inuit). Tem importáncia estratégica geopolítica, por se encontrar geograficamente bem próxima dos Estados Unidos e por estar juridicamente ligada à Europa como território autónomo da Dinamarca. O passado 21 de Junho de 2009, dia da festa nacional, marca a entrada em vigor dum novo estatuto de autonomia que reconhece o direito de autodeterminaçom. Dias antes, os independentistas do partido Inuit Ataqatigiit (Solidariedade Inuit) ganhavam as eleições situando ao seu líder, Kuupik Kleist, na presidência do governo.
A história da Gronelândia (“terra verde”) é a da sobrevivência e adaptaçom do homem nas condições climáticas mais extremas. Quando no século X é “descoberta” polos Viquingos noruegueses estava desabitada. Eles prosperarom durante alguns séculos, mas após quase quinhentos anos de habitaçom, desaparecerom por volta do século XV ao igual que os seus primeiros moradores.
O povo Inuit (ou Esquimó), actualmente estabelecido, chegou no século XIII, desenvolvendo umha grande capacidade de recursos para sobreviver num país frio onde nom é fácil obter alimentos. A populaçom de Gronelândia constitui o maior grupo da naçom Inuit, cujo território se estende nas regiões árticas desde o norleste da Sibéria (3.000 indivíduos), Alasca (30.000) e o Território Autónomo de Nunavut no Canadá (25.000) desde há quatro mil anos.
Em 1721 o Reino da Dinamarca-Noruega reafirmou a sua reivindicaçom sobre o território como colónia. Durante duzentos anos os Dinamarqueses tentarom colonizar Gronelándia desde Copenhaga. Para isto seguírom unha política isolacionista mantendo afastada a ilha de toda influência externa e de competititivade com outros países. O governo dinamarquês acreditava que a sociedade iria enfrentar exploraçom do mundo exterior ou até mesmo extinção se o país fosse aberto.
A dependência colonial supôs para o país que nom estivesse sujeito às regras democráticas. O direito de voto era extremadamente limitado e o papel das assembleias eleitas por votaçom popular estiverom restringidas ao controle dos representantes do poder colonial.
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Porém, durante a Segunda Guerra mundial, a Gronelândia separou-se tanto social como economicamente da Dinamarca, entom ocupada polos nazis, aproximando-se mais dos Estados Unidos e Canadá. Durante toda a guerra a ilha é governada directamente desde a capital, Nuuk, polos conselhos Provinciais da Gronelándia do Norte e Sul e nom por Copenhaga. Estes factores criarom as condições especiais para romper o isolacionismo político que prevalecia até entom. Os Gronelandeses descobrirom o mundo exterior acedendo às mercadorias norte-americanas. Quando a guerra chegou ao seu fim, as mudanças eram de tal magnitude que acabariam por colapsar o período colonial.
Depois da guerra, embora o controle da ilha voltasse à Dinamarca, esta deveu transformar o status da ilha em 1953. Esse ano, através dumha emenda constitucional, Gronelandia converteu-se numha província como parte igual do Reino de Dinamarca, podendo eleger dous representantes no Parlamento dinamarquês e as provisões de liberdade estenderom-se ao país. Os conselhos provinciais forom agrupados num só, mas apenas com funções consultivas, embora as competências do Conselho foram gradualmente estendidas.
No período de 1945-54, Gronelândia figurava na lista de Territórios Nom Autónomos a serem descolonizados dentro do capítulo XI da Carta das Nações Unidas e durante esse período Dinamarca tivo que submeter-se a informes sobre a situaçom da ilha a intervalos regulares perante os organismos de descolonizaçom da ONU. Estes informes finalizarom em 1954 quando a Assembleia Geral das Nações Unidas tomarom conta da integraçom da Gronelândia no Reino da Dinamarca.
Durante os anos 50 e 60, numha política de “modernizaçom”, Dinamarca tenta trasladar o Estado do Bem-estar a Gronelândia. Esta modernizaçom traduziu-se numha política de concentraçom dos habitantes das aldeias mais afastadas (conhecido como Plano G-60). As povoações esquimós forom esvaziadas e transferidas para localidades nas que se concentrarom os investimentos estatais em infraestruturas e comércio. Desta maneira rompeu-se a ligaçom da populaçom autóctone com o seu modo de vida tradicional. Esta “modernizaçom” provocou um trauma social ao nom dar encaixado umha mudança tam radical para umha sociedade urbana que foi indesejada e forçosa.
A política neocolonizadora concretizaria-se numha série de factos consumados: grande penetraçom na província de capital dinamarquês; descuido na protecçom pesqueira; espólio de recursos petrolíferos e de uránio, -controlados directamente desde a metrópole- e permitir a instalaçom no país de bases militares estado-unidenses no seio da NATO.
A colonizaçom de Gronelándia modificou também a sua estrutura humana com a chegada dos colonos Dinamarqueses que se converteram numha minoria privilegiada (12% da populaçom) que detenta a maioria dos altos cargos na administraçom ou se dedicam a florescentes negócios privados (lembre-se que o 80% das empresas privadas estám em maos dinamarquesas). Destarte em Nuuk, capital do país, quase a metade da populaçom é dinamarquesa.
Na década dos setenta, dentre a juventude e os sectores mais conscienciados da sociedade, descobriu-se que ainda havia umha oportunidade de recuperaçom nacional: persuadir ao povo e aos dinamarqueses de que deviam ser os próprios Gronelandeses que tomassem as suas próprias decisões através do autogoverno e de que podiam assumir tal responsabilidade através dum movimento nacionalista.
A tal efeito em 1973 foi criada, polos membros dos Conselhos Provinciais gronelandeses e os dous representantes no Parlamento dinamarquês, o Comité de Autogoverno de Gronelándia. Em 1975 este Comité emite um informe no que propunha a autonomia para a ilha conforme o modelo aplicado às Ilhas Faroé. Ese mesmo ano o governo dinamarquês constituiu umha Comissom de Autogoverno paritária polos partidos dinamarqueses e representantes gronelandeses. Os trabalhos desta comissom durarom três anos, topando dificuldades no que respeita ao direito de jurisdiçom do território sobre os seus recursos naturais e de subsolo e do subsídio que o governo central teria que dar para a transferência das competências do Estado ao governo autónomo de Gronelándia.
Aprovado o projeto de autogoverno polo Parlamento dinamarquês, em Janeiro de 1979 tem lugar o referendo em Gronelándia sobre a autonomia em base à proposta apresentada por esta Comissom que foi aprovado por ampla maioria (70,1% de votos afirmativos), o que levou à entrada em vigor do autogoverno a partir de 1 de Maio desse ano.
Se bem o carácter da Lei de Autogoverno de Gronelándia é semelhante a qualquer lei aprovada polo Parlamento dinamarquês acordou-se que, a diferença doutras, como se chegara a ela através de negociações bipartidas entre Dinamarca e Gronelándia, qualquer modificaçom precisaria dum novo processo negociador entre as partes.
A metrópole reserva-se as competências em matéria constitucional, autoridade suprema do estado, a determinaçom da cidadania, passaporte, visados, simbologia estatal, negócios estrangeiros, defesa, finanças nacionais, banco nacional, expediçom de moeda, legislaçom privada e penal e regime penitenciário. Todos os demais ámbitos estám sob a responsabilidade da autonomia. Os órgaos mais importantes de autogoverno som umha Assembleia de eleiçom popular (Landsting) e umha administraçom dirigida por um governo (Landstyre)
A estrutura social tradicional dos Inuit é mui comunitarista. Esta característica faz com que seja mais compatível com o modelo sócio-político dos países nórdicos que com o modelo de sociedade capitalista dos EE.UU. De facto, os Esquimós do Canadá e Alasca têm máis dificuldades para se adaptarem à sociedade capitalista do que os da Gronelándia para se adaptarem ao modelo de sociedade dos países nórdicos europeus. Por outro lado, o modo de vida do caçador, baseado na combinaçom de solidariedade e individualismo, é um factor que conecta muito bem coas tradições socialistas nórdicas.
Gronelándia conta com forças políticas próprias. Desde institucionalizaçom do autogoverno a vida política do território está dominada por três partidos.
· O partido social-democrata Siumut (Adiante), fundado em 1971, cuja politica nacionalitária visa incrementar a independência no marco da soberanía dinamarquesa.
· O partido Inuit Ataqatigiit (Solidariedade Inuit), partido que irrompeu na cena política com motivo das eleiçons de 1983 com o 10,7% e que procura a independencia de Gronelándia.
· Partido liberal Atassut (Unidade), que advoga por umha estreita cooperaçom com Dinamarca. Este partido está vinculado ao ao Venstre (Partido Liberal de Dinamarca).
· Os Democratas, partido liberal/socio-liberal surgido a partir de 2002. Mostra-se céptico com todo o relativo ao autogoverno e independência e conta com grande apoio na comunidade dinamarquesa.
Nos primeiros anos de autonomia o governo gronelandês procedeu a sacar a Gronelándia da CEE. Em 1972 Gronelándia pronunciara-se em contra da sua pertença à CEE mas, fazendo parte de Dinamarca e sem autogoverno, convertera-se em membro forçoso da Comunidade. Umha vez estabelecido o autogoverno, na primavera de 1981, o Parlamento de Gronelándia acorda convocar um referendo consultivo sobre a sua continuidade na CEE. Em Fevereiro de 1982 o 53% dos Gronelandeses votarom abandonar a CEE. Três anos depois Gronelándia seria o primeiro país em sair da CEE estabelecendo-se um novo acordo económico de associaçom que salvaguarda os intereses da ilha face a CEE.
A vida política tem sido mui activa. Após as eleiçons de 1983 forma-se um governo de coaligaçom entre o Siumut e Solidaridade Inuit (IA). Após um ano o Siumut perde umha moçom de censura apresentada polo IA. Porém, após umhas novas eleiçons (nas que pola primeira vez os conservadores superarom à esquerda) acabaría reeditando-se a coaligaçom Siumut-IA.
O Governo de Gronelándia mantivo nestes anos unha clara política pacifista e contrária à NATO. Em 1984, em plena guerra fria e apesar da pertença de Dinamarca à Aliança Atlántica, o Governo de coaligaçom gronelandês declara o país zona desnuclearizada, o que afectou à gigantesca base estado-unidense de Thule. Em Outubro de 1986 a instáncias do governo autónomo entra em vigor um acordo entre Dinamarca e os EUA polo qual se reduz a superfície das bases ianques no território. As terras ocupadas (105.000 hectares) som devoltas às comunidades de Esquimós.
A passividade do Primeiro-Ministro de Gronelândia, o social-democrata Jonathan Motzfeldt, perante a instalaçom dunha nova equipa de rádar polos EUA na base de Thule provoca umha nova crise no governo de coaligaçom. Segundo, Aqqaluk Lynge, líder de IA, a pretensom ianque ataca as disposições do Tratado 72 sobre a eliminaçom de míseis antibalísticos. Após as eleições antecipadas de 1987 o líder social-democrata tentou umha “grande coaligaçom” com os unionistas do Atassut mas a oposiçom do seu partido acabaria frustrando estas pretensões. Nom seria até depois das eleições de 1995 e Fevereiro de 1999 que se forme um governo de coaligaçom Siumut-Atassut. Até entom Gronelándia foi governada pola coaligaçom Siumut-IA.
Após as eleições de 2002 o Siumut, dirigido por Hans Enoksen, recupera a coaligaçom de governo com IA. Os dous partidos protagonizarom discussões em como mudar o acordo com a Dinamarca e os EE.UU. e sobre quanto deveria receber Gronelándia em compensaçom pola base aérea estado-unidense situada na vila de Thule.
O autogoverno permitiu fortalecer a identidade nacional, situando ao povo gronelandês no mesmo nível de Dinamarca e com o resto do mundo. Em 1985 Gronelándia procurou um contacto máis estreito com os demais povos nórdicos (Finlándia, Suécia, Noruega, Islándia e Dinamarca). O Parlamento de Gronelándia começou a participar nas gestiões do Conselho de Ministros do Norte. Ao mesmo tempo intensificárom-se as relações com os Inuit de Alasca e do Canadá, constituindo-se a Conferência Circumpolar Inuit nunha estratégia de luta que inclui a defesa meio-ambiental, a das suas terras, a preservaçom da cultura trdicional e a promoçom dunha economia de desenvolvimento sustentável que garanta o futuro da naçom.
Após vinte anos de autogoverno, praticamente todas as competências que deviam ser transferidas no marco da Lei do Autogoverno de 1979 forom assumidas polo Governo autónomo. Reconhecendo que era preciso revisar a posiçom da Gronelándia no seio do Reino, o Governo gronelandês estabeleceu em 1999-2000 umha Comissom de Autogoverno da Gronelándia. Esta Comissom apresentou o seu informe no ano 2003. A seguir o Parlamento gronelandês, que assumiu as recomendaçons da Comissom, propuxo estabelecer umha Comissom de Autogoverno Gronelándia-Dinamarca.
O relatório desta Comissom delineou seis possibilidades para o futuro da ilha:
1. Independência;
2. Uniom com outro país, similar ao antigo Reino da Islándia (1918-44);
3. Livre associaçom, similar ao relacionamento entre Porto Rico e Estados Unidos;
4. Federaçom;
5. Aumento do auto-governo frente à Dinamarca;
6. Integraçom completa.
Em 2 de Janeiro de 2008 o primeiro-ministro gronelandês H. Enoksen anunciou um referendo sobre o auto-governo, esclarecendo que nom resultaria na retirada da Gronelándia do Estado dinamarquês mas que contemplaria umha via de aceso à independência. Finalmente, em 13 de Junho os primeiros-ministros dinamarquês e gronelandês assinam um acordo para promover umha “Lei do Governo da Gronelándia” que vai aumentar a autonomia do pais ainda prevendo a sua futura soberania total.
O acordo prevê que a Gronelándia passe a decidir sobre 32 áreas estratégicas exercidas pola Dinamarca como polícia local, dos tribunais de justiça e de aproveitar futuramente os possíveis recursos naturais oriundos das reservas de petróleo, gás, diamantes, ouro e outros minerais. Além disto, o gronelandês, idioma nacional falado polos Inuit, passará a ser o idioma oficial do território.
Se bem o movimento independentista tem-se visto desencorajado pola dependência da ilha dos subsídios económicos recebidos do governo dinamarquês (o 30% do PIB), este quadro talvez se altere com a retraçom das geleiras, que podem tornar acessíveis recursos minerais e petróleo. Calcula-se que na zona há jazidas petrolíferas em quantidade superior a toda a produçom do Mar do Norte e à metade das reservas da Arábia Saudita, uma riqueza que permitiria a autosuficiência do país.
O monarca dinamarquês seguirá a ser o chefe do estado e a Dinamarca continuará decidindo apenas sobre política exterior, além de continuar enviando, anualmente, os cerca de 429 milhões de euros que som remetidos actualmente.
Com este acordo, para além de reconhecer o direito de autodeterminaçom, a Gronelândia pode-se tornar um Estado independente e soberano, caso iso seja decidido em consulta popular (plebiscito ou referendo). Com efeito, após o Limiar da Lei do Autogoverno da Gronelândia referir literalmente “Reconhecendo que o povo da Gronelândia é um povo sujeito à lei internacional com o direito de autodeterminaçom, a Lei baseia-se no desejo de fomentar a igualdade e o respeito mútuo na parceria entre Dinamarca e Gronelândia. Em consequência, esta Lei baseia-se no acordo entre o Governo da Gronelândia e o Governo Dinamarquês como parceiros iguais”, o capítulo VIII (Aceso da Gronelândia à independencia) recolhe: “Art. 21. 1) A decisom a respeito da independência da Gronelândia deve ser tomada polo povo de Gronelândia; 2) Se a decisom é tomada conforme à subsecçom (1), devem iniciar-se conversações entre o Governo dinamarquês e o Parlamento gronelandês com o fim da introduçom da independência para Gronelândia; 3) Um acordo entre o Parlamento gronelandês e o Governo a respeito da introduçom da independência para Gronelândia deve ser concluído com a aprovaçom do Parlamento gronelandês e deve ser aprovado por um referendo na Gronelândia. O acordo deve, aliás, ser concluído com o consentimento do Parlamento dinarmarquês; 4) A independência para Gronelândia deve implicar que a Gronelândia assume a soberania sobre o território da Gronelândia”[1].
A folha de rota contempla que o acordo seja votado em referendo polos Gronelandeses em 25 de Novembro de 2008 e deve entrar em vigor em 21 de Junho de 2009, dia nacional. No referendo a proposta em votaçom foi aprovada com umha maioria de 75,54% dos eleitores e 72% de comparecimento às urnas.
O referendo foi considerado polos independentistas um passo essencial para a independência da Groenlândia. A seguir H. Enoksen, promotor do acordo, convocou eleições antecipadas para que os Gronelandeses decidissem quem deveria liderizar o país na “nova era”.
Nas eleiçons legislativas de 2 de Junho de 2009 a formaçom mais à esquerda do sistema político, em favor dumha independência rápida, IA, duplicou os resultados ao conseguir 14 mandatos e 43,7% de votos. O seu líder, Kuupik Kleist (na foto), de 51 anos, é eleito novo chefe do governo.
A nova coaligaçom de governo[2] é novidosa na história da Gronelándia: estende-se do partido mais à esquerda (IA), ao partido de orientaçom nacionalista (Associaçom de Candidatos), passando polo centro (Democratas). Umha aliança que dá toda a sua singularidade a Gronelândia, governada durante os últimos trinta anos polo partido Siumut.
Tal como previsto, o passado 21 de Junho a rainha Margarida II entregou oficialmente a lei de autonomia reforçada ao presidente da Assembleia territorial da Gronelandia em presença dum presidente independentista e de numerosas personalidades e médias estrangeiros.
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