.
Por Vítor Manuel Martins
(ilustração dum comic criado por CSmedia)
Estrutura organizativa
No momento inicial a Unidade Popular (UP) estivo conformada polo Partido Socialista (PS), Partido Comunista (PC), Partido Radical (PR), Movimento de Acçom Unitária (MAPU), Partido Social-Democrata (PSD) e Acçom Popular Independente (API). Posteriormente incorporou-se em Julho de 1971 o Partido de Esquerda Radical (PIR), saído de umha racha do PR, em Agosto desse ano o Movimento Esquerda Cristá (MIC), surgido de umha racha do MAPU o Movimento Esquerda Cristá (MIC) e, em Março de 1973, o MAPU-Operário e Camponês (MAPU-OC).
No plano sócio-político, a UP dá continuaçom à FRAP (1956-69), vendo-se afortalada com a incorporaçom de importantes expressões do pensamento leigo e cristão progressista.
A participaçom do PR, representante da pequena burguesia, umha vez purgado o seu sector reaccionário, supom a culminaçom dum longo processo de maturaçom ideológica desde as suas posições racionalistas e positivistas para se aderir a um projeto socialista. O mesmo acontece com o MAPU, representante dos sectores cristãos identificados cum processo socialista. Este movimento criara-se em 1968 a partir de membos da Democracia Cristã (PDC) que fracassaram na sua tentativa de arrastar este movimento a um compromisso de transformaçom revolucionária.
O PSD, ao igual que o MAPU, surgira dumha racha anterior produzida no seio do PDC. Apesar do seu nome, nom guarda qualquer relaçom com a social-democracia internacional nem com os conceitos sociais-democratas tradicionais. Define-se como um movimento nacional comprometido com o processo de libertaçom dos povos da América Latina e solidário com a Revoluçom cubana. A API é a mais pequena das forças integrantes da UP cujo líder, Rafael Tarud, procedente do movimento agrário, desempenhara vários ministérios no governo do Gral. Ibáñez (1952-58).
Para os simpatizantes independentes formarom-se os Comités da Unidade Popular (CUP) a nível vizinhal, de bairro, de serviço público e de fábrica. Constituirom-se com o objectivo imediato de promover a participaçom popular na campanha eleitoral e, de acordo ao programa, a sua funçom seria a de “preparar-se para exercer o poder popular ao tempo que constituem um método permanente e dinámico de desenvolvimento do programa, umha escola activa para as massas e umha forma concreta de aprofundar o conteúdo político da UP em todos os níveis”. Igualmente, "nom só serám organismos eleitorais, serám intérpretes e combatentes das reivindicações imediatas das massas e, sobretodo, prepararám-se para exercer o poder popular".
ler mais
Os organismos da UP eram o Comité Executivo, o Conselho Directivo Nacional e a Comissom Política, organismo de representaçom dos Partidos.
Aliás, durante todo o período contou com o apoio da federaçom sindical Central Única de Traballadores (CUT) a qual, apesar de ser o órgao máis representativo da classe trabalhadora chilena, carecia de personalidade jurídica. Esta situaçom é devida a que a legislaçom laboral chilena proibe explicitamente a confederaçom de sindicatos, apenas reconhecendo a existência de sindicatos individuais a nível de fábrica ou de empresa, discriminaçom que, de chegar ao governo, a esquerda pretende modificar.
O programa
(Nota: o programa da UP já fora reproduzido integramente neste blogue, estando disponível em duas partes, I e II)
Em Dezembro de 1969 constitui-se a Mesa da Esquerda, destinada a definir o programa e designar um candidato único. O dia 17 desse mês os partidos da UP aprovarom o programa básico como leitmotiv da aliança política e como bandeira de agitaçom e de combate na eleiçom presidencial de Setembro de 1970.
Partindo dumha crítica da gestom do governo democrata-cristao de Eduardo Frei (desde 1964), o Programa de Governo da UP plasmou-se no “Programa Básico da Unidade Popular” e “As 40 primeiras medidas do Governo Popular”. Estes elementos conformariam a base teórico-política da chamada Via Chilena ao Socialismo (“a revoluçom com vinho tinto e empadas”, como Allende se referiu a ela num discurso). Esta postulava a possibilidade de um país capitalista subdesenvolvido efectuar um tránsito nom violento ao socialismo. Tudo isto pola via do processo democrático e por meio do uso da legalidade do Estado sem a necessidade de contar cum partido único que o efectuasse, senom com a coaligaçom de todas as forças democráticas que estivessem a favor das mudanças sociais e democráticas. Em certa forma tratava-se de criar um novo bloco hegemónico dentro da linha gramsciana, ideia que posteriormente influiu no eurocomunismo. A Vía Chilena ao Socialismo ia no sentido contrário da via armada (foquismo) que entom se propugnava na América Latina. Por isso, o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) ficou excluído da UP.
Em síntese, o programa parte do reconhecimento inobjectivável de que o Chile vive umha profunda crise estrutural, manifestando-se na estagnaçom económica-social e na miséria generalizada. Porém, os problemas resultantes podem-se resolver cum cámbio de regime. Na realidade fracassara o capitalismo, dependente do imperialismo, dominado por umha burguesia ligada ao capital estrangeiro, cujos privilégios constituem o atranco fundamental para o avanço e o progresso do país. Por isso, a única alternativa verdadeiramente popular era a de terminar com o domínio do imperialismo, dos monopólios, da oligarquia fazendeira e iniciar a construçom dum novo regime, o socialismo. Esta seria a tarefa do governo do povo. A acçom unitária e combativa da imensa maioria de chilenos pode romper as actuais estruturas caducas e avançar na tarefa da sua libertaçom.
O plano da UP para chegar ao “Socialismo à Chilena” consistia nos seguintes pontos:
- Estatizaçom das áreas “chave” da economia e criaçom de três áreas de propriedade (social, mista e privada)
- Nacionalizaçom da minaria e da banca
- Aceleraçom da reforma agrária que erradique o latifundismo
- Congelar os preços das mercadorias
- Aumentar os salários de todos os trabalhadores, recorrendo à emissom de moeda.
- Introduzir fórmulas de participaçom dos trabalhadores nas empresas (cogestom)
- Modificar a Constituiçom da República e criaçom de umha cámara única.
Umha vez aprovado o programa, os partidos da UP subscreverom publicamente um pacto comprometendo-se perante o povo a levar adiante os objectivos acordados, os quais "estám decididamente vinculados a um novo conceito da conduçom do país, que o Governo Popular se propom pôr na prática".
Finalmente, um terceiro documento denominado "Acordo sobre conduçom e estilo da campanha" previa o confronto social como a inevitável culminaçom do processo revolucionário. As forças populares, destaca, nom patrocinarám um confronto artificial, mas "a agudizaçom das contradições do sistema provocarám um confronto a cada vez maior, que elevará as luitas das massas a superiores níveis, propondo-se final e necessariamente o problema definitivo da conquista do poder". Neste documento reitera-se o papel assignado aos Comités da UP como expressões "germinais do poder popular", que, após a vitória, estarám chamados a se converterem em "factores dinamizadores e de direcçom local dos processos de mudanças revolucionários".
A UP fazia-se e soldava-se para tal propósito. O triunfo popular abriria passagem à instauraçom dum governo popular, cuja dupla tarefa seria:
Preservar, fazer mais efectivos e profundos os direitos democráticos e as conquistas dos trabalhadores;
Transformar as actuais instituições para instaurar um novo Estado, onde os trabalhadores, e o povo em geral, tenham o real exercício do poder.
A candidatura
Os partidos da UP quixerom inovar e conseguirom-no. a unidade selava-se em torno ao programa e nom à pessoa do candidato. Umha vez aprovado o programa, procedeu-se a eleger o candidato. A tal efeito constitui-se umha Mesa Redonda, à qual cada integrante concorreu com o seu candidato.
Se bem Salvador Allende era o lógico candidato socialista (três campañas presidenciais: 1952, 1958 e 1964), o PS nom o apoiava completamente e tivo como competidor ao Secretário Geral do seu partido, Aniceto Rodríguez. É um facto que Allende nunca contou com a maioria no Comité Central do seu partido, polo que a sua nominaçom só saiu adiante após várias votações.
Cada partido concorreu com o seu candidato:
PS: Salvador Allende
PC: Pablo Neruda
PR: Alberto Baltra.
MAPU: Jacques Chonchol
API-PSD: Rafael Tarud
O PC era partidário de propor a candidatura do dirigente do MAPU, o senador Rafael Agustín Gumucio, que nove meses antes militava no PDC. Porém, o PR e API-PSD facilitarom a eleiçom de Allende. Desta forma em 22 de Janeiro de 1970, numha grande concentraçom em Santiago, Salvador Allende era proclamado como candidato da Unidade Popular.
Como candidato da esquerda assinou-se um compromisso segundo o qual se ganhava, o governo de Chile seria partilhado entre Allende e os partidos da UP, representada polo seu Comité Executivo e no que cada partido contava com um representante. Isto implicaria umha renúncia às suas faculdades como presidente da República já que nom poderia actuar sem o apoio desse Comité que funcionava por unanimidade.
A campanha
Iniciada a campanha eleitoral, o Programa Básico da UP, impresso num milhom de exemplares, foi distribuído por todo o país. Assim o voto emitido na eleiçom presidencial seria um voto consciente e ilustrado. Todos, partidários e adversários, saberiam a que ater-se se a esquerda alcançava o governo.
A campanha eleitoral foi dura mas sem violência. Os primeiros inquéritos davam por ganhador, com maioria absoluta, a Jorge Alessandri Rodríguez, o candidato da direita reaccionária representada polo Partido Nacional (PN). Mas a sua campanha foi-se deteriorando, principalmente a causa da sua avançada idade. Acusado de senil e de sofrer Parkinson, o seu próprio comando eleitoral decidiu nom fazer grandes concentrações, salvo no encerramento da campaña, para nom mostrar a idade do seu candidato. Seguros da vitoria de Alessandri, os seus partidarios alporiçarom-se quando numha entrevista a El Mercurio o Gral. René Scheneider, Comandante em Chefe do Exército, perguntado pola atitude do exército se nengum dos candidatos obtinha maioria absoluta respondeu que deveria decidir o Congresso Pleno, segundo o estabelecido na Constituiçom e que o exército acataria os postulados da carta fundamental (esta seria a base da doutrina Scheneider). A ira dos alessandristas produzia-se porque a tradiçom era eleger presidente, sem mais, ao candidato que obtivesse a primeira maioria relativa.
O governo dos EE.UU. involucrou-se na campanha empregando até 1,125 milhões de dólares numha “operaçom de ruina” para impedir o triunfo da esquerda. Se bem nom derom apoio decidido a nengúm candidato anti-Allende, principalemente porque os seus inquéritos apontavam a Alessandri como ganhador, as acções forom dirigidas mais bem a previr a eleiçom de Allende que a assegurar a vitória do outro candidato.
Da vitória popular ao governo
Finalmente em 4 de Setembro produze-se o triunfo da UP. Numha eleiçom a três bandas, Salvador Allende logra o triunfo por umha estreita margem (1.075.616 votos e 36,3%) fronte à reacçom (1.036.278 votos e 34,9%). Num terceiro lugar situava-se o candidato democrata-cristao, Radomiro Tomic, com 824.849 votos e 27,8%. Dado que o candidato da esquerda nom obtivera a maioria absoluta, segundo a Constituiçom Política, o Congresso Pleno (sessom conjunta da Cámara de Deputados e Senado) devia eleger entre os dous candidatos mais votados. Portanto, ficava em maos do PDC a eleiçom de presidente.
Esta circunstáncia seria utilizada pola direita para impor condições a Salvador Allende antes de lhe permitir formar governo: ou se respeitava a primeira maioría, como tradicionalmente acontecera no Chile, ou se tratava de impedir, por qualquer meio, que o candidato marxista assumisse o governo.
A esta segunda linha entregou-se a administraçom norte-americana. Justificado pola lógica da guerra fria e da partilha do mundo, o governo dos EE.UU. nom podia consentir que se a experiência cubana prendera como exemplo por toda a América Latina, se voltasse a repetir desta vez, mostrando que pola via eleitoral também se podia redistribuir o poder e a riqueza. Por isto, umha vez conhecida a primeira maioría de Allende, Richard Nixon tomou umha determinaçom: evitar que Allende assumisse a presidência. A CIA organizou dous planos com a colaboraçom da direita e o sector golpista do exército para deter a eleiçom de Allende polo Congreso Pleno em 24 de Outubro, os que seriam conhecidos como o Track One e o Track Two.
O Track One consistia em que o Congresso, com os votos do PN e PDC, elegesse ao candidato da segunda maioría relativa, Jorge Alessandri; este renunciaria e convocariam-se novas eleições nas que a toda a direita apoiaria a Eduardo Frei. Para lograr este objectivo nom se escatimarom meios: corrida bancária, saída de dólares, campanha de terror, abandono de empresas,... Porém, o Track One fracassou pola hegemonia progressista entom existente no seio PDC, encabeçada por Tomic e partidária de seguir a tradiçom de respeitar a primeira maioria.
Allende puxo-se de acordo com o PDC e aceitou o chamado “Pacto de Garantías Constitucionais”. Tratava-se de umha série de emendas constitucionais que segundo os democrata-cristãos assegurariam a permanência dum regime democratico, consistentes em: garantia de existência dos partidos políticos, resguardo da liberdade de imprensa, do direito de reuniom, liberdade de ensino, inviolabilidade da correspondência, liberdade de trabalho, liberdade de movimento, assegurar a participaçom social em grupos da comunidade e profissionalizaçom das forças armadas (piar fundamental do estado burguês). Este foi o compromisso exigido polo PDC para apoiar a su ratificaçom parlamentar. Nessa altura soubo-se da existência de um pacto secreto entre Tomic e Allende polo qual cada um reconhecia a vitória do outro se a diferença fosse maior a 5.000 votos, e de Alessandri só se este os superava aos dous por mais de 100.000 votos. Entom ficou aberto o Track Two para o governo estado-unidense.
Tratava-se de criar um clima de inestabilidade política para que as forças armadas intervissem e anulassem a eleiçom de Allende polo Congresso Pleno. Encargou-se a sua execuçom ao general golpista Roberto Viaux, cujo plano era sequestrar ao Gral. Schneider, acochá-lo e provocar umha situaçom de inestabilidade. Dous dias antes da sessom do Congresso Pleno foi executado o plano, mas, ao tentar defender-se, o Comandante en Chefe foi abatido polos seus assaltantes, que conseguirom fugir, frustrando o golpe.
Finalmente, em 24 de Outubro Salvador Allende é eleito no Congreso Pleno com o apoio do PDC por 153 votos, 35 a favor de Alessandri e 7 em branco. De acordo com a Constituiçom política, o cidadão Salvador Allende Gossens era proclamado Presidente da República do Chile por um período de seis anos (entre o 3 de Novembro de 1970 e o 3 de Novembro de 1976). A assunçom da Presidência no Congresso Nacional foi realizada em 3 de Novembro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário