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(...) Desde hai tempo tenho claro que o moderno computador ultra-rápido é em princípio um sistema nervoso central ideal para um dispositivo de control automático; e que as suas entradas e saídas não tenhem por que ter a forma de números ou diagramas, senão que bem podem ser, respectivamente, as leituras de órgãos sensoriais artificiais tais como células fotoelétricas ou termômetros, e o acionamento de motores ou solenóides. Com a ajuda de galgas ou elementos similares para ler o desempenho destes órgãos motores e “realimentar” ou informar ao sistema de control a modo de sensor kinestésico artificial, estamos já em condições de construir máquinas artificiais de quase qualquer grão de sofisticação nas prestações. Muito antes de Nagasaki e da consciência pública da bomba atômica, já se me ocorrera que aqui estávamos na presença de outra potencialidade social de importância nunca antes vista para o bem e para o mal. A fábrica automatizada, a cadeia de montagem sem agentes humanos, só estão separadas de nós pólos limites que ponhamos à nossa vontade de investir tanto esforço no seu desenho como o que foi investido, por exemplo, no desenvolvimento da técnica do radar na segunda guerra mundial.
Tenho dito que este novo desenvolvimento tem possibilidades ilimitadas para bem e para mal. Para começar, converte o domínio metafórico das máquinas, como o imaginou Samuel Butler, num problema bem imediato e não metafórico. Dá-lhe à raça humana uma nova e mui efetiva coleção de escravos mecânicos para levar a cabo o seu trabalho. Esse trabalho mecânico tem a maioria das propriedades econômicas do trabalho escravo, ainda que, ao contrário que o trabalho escravo, não acarreta os perversos efeitos diretos da crueldade humana. Porém, todo trabalho que aceita as condições de competição com o trabalho escravo, aceita as condições do trabalho escravo, e é essencialmente trabalho escravo. A palavra chave desta afirmação é competição. Pode que para a humanidade seja uma cousa boa que a máquina o releve da necessidade de tarefas subalternas e desagradáveis; ou pode que não o seja. Não o sei. Não pode ser bom que estas novas possibilidades sejam avaliadas em termos de mercado, do dinheiro que aforram; e são precisamente os termos do livre mercado, a “quinta liberdade”, os que se tenhem convertido numa ladainha do sector da opinião norte-americana representada póla Associação Nacional de Fabricantes e o Saturday Evening Post. Digo opinião norte-americana porque, como norte-americano, é a que melhor conheço, mas os mercachifles não conhecem fronteiras.
Talvez clarifique o marco histórico da situação atual se digo que a primeira revolução industrial, a revolução das “escuras fábricas satânicas”, foi a desvalorização do braço humano pola competição da maquinaria. Nengum salário que lhe dê para viver a um pica-pedreiro americano é suficientemente baixo para competir com o trabalho duma escavadora. A moderna revolução industrial está similarmente destinada a desvalorizar o cérebro humano, polo menos nas suas decisões mais simples e rotineiras. Por suposto, ao igual que o carpinteiro qualificado, o mecânico qualificado, ou o sastre qualificado sobreviveram até certo ponto à primeira revolução industrial, do mesmo jeito o cientista qualificado e o administrador qualificado podem sobreviver à segunda. Porém, uma vez realizada a segunda revolução, o ser humano médio de méritos medíocres ou inferiores não tem nada a oferecer polo que alguém queira pagar.
A resposta, por suposto, é ter uma sociedade baseada em valores humanos diferentes à compra e a venda. Para chegar a esta sociedade precisamos de muita planificação e de muita luita – a qual, se todo vai bem, poderá ser no plano das idéias, e em caso contrário – quem sabe? Assim, sentim que era o meu dever passar a minha informação e entendimento a aqueles que tenhem um interesse ativo nas condições e no futuro do trabalho – é dizer, os sindicatos. Conseguim contatar com uma ou duas persoas com responsabilidades na C.I.O., que me escoitárom com muita inteligência e simpatia. Além destes indivíduos nem eu nem nengum deles fomos capaz de chegar. A sua opinião, que coincidia com a minha informação e observações prévias tanto nos USA como em Inglaterra, era que os sindicatos e os movimentos de trabalhadores estão em mãos de persoal altamente especializado, minuciosamente preparado para os problemas de disputas salariais ou de condições de trabalho; e totalmente carentes de preparação para afrontar as questões mais gerais de tipo político, técnico, sociológico e econômico que afetam a mesma existência do trabalho. As razões para isto são bem doadas de ver: o delegado sindical provém polo geral da exigente vida dum administrador sem nenguma oportunidade para uma formação mais ampla; e para aqueles que tenhem esta formação, uma carreira sindical não é polo geral atrativa; nem tampouco os sindicatos, naturalmente, são receptivos a essas persoas.
Aqueles de nós que tenhem contribuído à nova ciência da cibernética estamos assim numa posição que é, por dizi-lo suavemente, pouco cômoda. Temos contribuído ao começo duma nova ciência que, tal e como dixem, abarca desenvolvimentos técnicos com enormes possibilidades para o bem e para o mal. Só podemos entregá-la ao mundo que existe no nosso entorno, e esse é o mundo de Belsen e Hiroshima. Nem sequera temos a opção de suprimir estes novos desenvolvimentos técnicos. Pertencem à sua época, e o mais que poderíamos conseguir por abstenção seria deixar o desenvolvimento da matéria nas mãos dos mais irresponsáveis dos nossos engenheiros. O melhor que podemos fazer é tentar que um público amplo entenda a tendência e a importância do trabalho atual, e confinar os nossos esforços persoais a aqueles áreas, tais como a fisiologia ou a psicologia, mais afastadas da guerra e da explotação. Como temos visto, hai quem espera que o bem duma melhor compreensão do home e da sociedade que oferece esta nova área de trabalho pode antecipar e compensar a acidental contribuição que estamos a fazer à concentração de poder (o qual sempre está concentrado, polas mesmas condições da sua existência, nas mãos dos menos escrupulosos) . Escrevo em 1947, e por força tenho que dizer que é uma esperança mui cativa.
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