domingo, 10 de janeiro de 2010

Entrevista com Carlos Taibo


"Hoje no Norte desenvolvido, um projecto anticapitalista tem que ser decrescimentalista, autogestionário e antipatriarcal"

O politólogo Carlos Taibo tem-nos bem acostumados com as suas lúcidas críticas ao capitalismo. No número de dezembro de Tempos Novos inclui-se uma entrevista moi ilustrativa, centrada na questão do decrescimento. A seguir reproduz-se (com grafia reintegrada) esta interessante conversa com Comba Campoy:

As políticas dos governos do mundo vão na direção oposta ao paradigma do decrescimento. Cara a onde leva isto?

Cara à ratificação do escenário social de injustiça e desigualdade e a agudização dos problemas ambientais. A idéia de que em dous anos abandonaremos a crise e retomaremos a situação anterior é falsa. Pode que os indicadores de crescimento recuperem os níveis de hai cinco anos, mas a mudança climática está ativa, a carestia das matérias primas energéticas é cada vez mais notável. Cada mês que passa os recursos que são precisos para fazer fronte à mudança climática são maiores. Seguimos castigando o meio e a possibilidade de inverter a situação é cada vez menor. É urgente artelhar procedimentos de resposta. Hoje no Norte desenvolvido, um projecto anticapitalista tem que ser decrescimentalista, autogestionário e antipatriarcal. E digo-o em clara confrontação com os críticos do decrescimento da esquerda. Ao não serem decrescimentalistas estão a aceitar boa parte da mitologia do sistema capitalista que supostamente rejeitam.

Falas dos críticos da esquerda institucional?

Não, a esquerda institucional considera o decrescimento um projecto extravagante. As críticas às que me refiro venhem dum marxismo dogmático, que considera que o do decrescimento é um conceito da pequena burguesia, das classes médias, que adia a resposta revolucionária ao sistema. Mas a resposta revolucionária ao sistema tem que ser decrescimentalista.

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Fronte a dados alarmantes como o da iminência do teito do petróleo, insiste-se em que se pode manter o atual ritmo de consumo...

A postura dos partidos centra-se na perspectiva eleitoral. O dos sindicatos é dramático. O retrato robot da situação foi o acordo que assinaram CCOO e UGT na SEAT de Barcelona antes do verão: congelação salarial a câmbio da concessão de produção dum novo modelo de carro.

Um pensamento curtopracista...

Hai trinta anos os pacifistas loitavam polo feche das indústrias militares. Já daquela chocavam com os sindicatos que defendiam que havia que preservar esses postos de trabalho. Essa disputa hoje em dia tem que ampliar-se. Temos que pensar se podemos seguir produzindo automóveis.

Colectivos como Crisi falam da impossibilidade de continuar vivendo no capitalismo. Não confiam em que os poderes assumam esta realidade, polo que devem ser as bases as que guiem este processo...

É que não hai nengum elemento que aconselhe concluir que os governos estão dispostos a mover as cousas. Não por isso hai que deixar de fazer pressão para conseguir mudanças. Semelha que algum dos governos de esquerda de América Latina, como o de Evo Morales, que bebe do imaginário dos índios, duma relação conceitual distinta com a natureza, pode assumir parte deste discurso. Não nos nossos governos democratizados. Como é possível que o BNG organize em Lubiám uma concentração a prol do AVE a Madrid? Um procedimento de transporte anti-social, anti-ecológico e desertizador. E que na base do BNG não exista uma contestação fortíssima disto... é a servidume voluntária.

Anuncia-se que vão reduzir as vantagens fiscais aos futbolistas por salários multimilhonários, e hai protestas. Quanto mais inviável pedir uma renda básica, pola qual os salários mais altos seriam altamente fiscalizados em benefício da maioria da povoação...

Seria interessante que houvesse uma folga de clubes, para avaliar que acontece na nossa sociedade. Seguro que boa parte da povoação estaria com os clubes na defensa dessas estrelas do futebol. A manifestação mais multitudinária da Galiza contemporânea foi quando o Celta foi objecto dum descenso administrativo. Não fôrom as de Nunca Mais nem as da Mesa.

Perante este panorama desalentador, a proposta do decrescimento pretende um câmbio radical de mentalidade, a revisão de conceitos como o de felicidade.

A felicidade significa cousas moi diferentes para cada quem. Em qualquer caso, creo que a maioria dos habitantes das sociedades opulentas não somos felizes. Somos conscientes de que o trabalho nos mata. Temos que discutir criticamente se esse trabalho é o nosso projecto vital. Em qualquer caso, o hiperconsumo não tem nada a ver com a felicidade. Tenho claro que é um indicador de infelicidade.

Até que ponto o trabalho pode contribuir ou pexar a nossa felicidade?

Nisto não som conseqüente, eu estou todo o dia a trabalhar. É certo que não tenho um trabalho alienante, mas em qualquer caso, hai que criticar o trabalho, e não só o trabalho assalariado. Compre ler o direito à preguiça [nota: ver também a 2ª parte] de Lafargue, um contraponto moi interessante à crítica do trabalho assalariado de Marx. Uma anedota que me gusta contar é a do mexicano que está à beira do mar, numa aldeia, e achega-se-lhe um turista norteamericano, que lhe pregunta a que se adica. O mexicano resposta: “Som pescador”. “Vaia, é um trabalho duro, trabalhará moitas horas”. “Duas ou três horas”. “Não me parecem tantas, que fai o resto do dia?”. O mexicano conta-lhe que esperta tarde, pesca um pouco, joga com os filhos, dorme a sesta com a mulher e pola tarde sai tomar uma cerveja. O turista reage airado: “Pero como não trabalha mais horas?” “E para que?”, pregunta o mexicano. “Se trabalhara mais horas poderia comprar um barco mais grande. Despois duns anos, montaria uma fábrica na vila. Mais tarde abriria uma oficina no distrito federal, e montaria delegações em Europa e nos USA. Seria vostede imensamente rico. Aos setenta anos poderia retirar-se, vir aqui, acordar tarde, pescar um par de horas, jogar um tempo com os netos, durmir a sesta com a sua mulher...”
Esta anedota, que retrata a dimensão do modo de vida escravo no que estamos inseridos, em persoas que trabalhárom toda a sua vida freneticamente, suscita a idéia de que estou a defender o “viva a vida”. O que defendemos é um modelo distinto de vida social, de reparto do trabalho. Hai que trabalhar, necessariamente, mas temos que liberar-nos dos moitos elementos alienantes do trabalho. E isto de novo contradi o discurso comum na esquerda institucional, que considera o trabalho sagrado, que hai que dominar a natureza... a anedota do mexicano tem uma fuga, e é que não explica quantas horas trabalhava a sua mulher.

Isto tem que ver moito com a filosofia do que se chama o “bom viver”, dos indígenas americanos.

Moitas comunidades tradicionais, nos países pobres ou a própria Galiza, matenhem determinado tipo de esquemas mentais que estão na lógica do decrescimento e creo que, em geral, as mulheres conservam determinados elementos mentais moito mais vencelhados ao decrescimento que os varões, moito mais inseridos na lógica da economia convencional, da produção...

Respeito do lezer, deveu um bem de consumo mais. Quase nem concebemos o tempo livre sem consumir...

Por isso falo de ócio criativo. Contraponho-o ao ócio alienante que se nos oferece, ontologicamente vinculado com o consumo. Temos que trabalhar moitas horas para manter os nossos níveis de ócio consumista. Isto tem conseqüências dramáticas. É o caso dos cativos que deixam a escola às catro da tarde, e na casa não hai ninguém. O pai e a nai trabalham para conseguir salários altos que permitam comprar-lhes joguetes custosíssimos, quando seria mais razoável que trabalhassem menos horas e passassem a tarde a jogar com eles. A discussão sobre Bologna parte da presunção razoável de que a irrupção da empresa privada vai rematar com os estudos de Humanidades. Para que querem as empresas privadas filólogos, antropólogos ou filósofos? Bem, pois a filosofia do decrescimento reclama, para o ócio criativo, milheiros de licenciados em filosofia, história, filologia...

Que implica a noção de pegada ecológica?

Mide a superfície do planeta, terrestre como marítima, que precisamos para manter as atividades econômicas atuais. Todos os estudos concluem que deixamos moi atrás, no norte desenvolvido, as capacidades ambientais do planeta. Entregamos-lhes às gerações vindeiras um planeta dificilmente habitável. Em determinada esquerda galega hai um discurso, de origem anticolonialista, que parece concluir que como Galiza é uma das partes mais pobres do Estado Espanhol, a pegada ecológica galega é reduzida. A nossa pegada ecológica é mais grave que a doutras partes do Estado Espanhol, em boa medida de resultas do projecto colonial de produzir para outros, mas não só por isso. Por tanto, na Galiza hai que assumir estrategias de decrescimento radicais.

E em que consistiria a redistribuição de recursos?

Esse é um projecto moi vinculado ao discurso anticapitalista tradicional. O que temos é que questionar em modo central o regime de propriedade, uma discussão proibida, entre outras cousas porque a experiência histórica do sistema soviético em relação com isto foi nefasta. Confundiram a propriedade pública com a propriedade pública socializada. Os dous últimos anos fôrom de grande intervencionismo estatal na economia, em proveito dos interesses privados. Assim que não reclamemos sem mais a intervenção dos poderes públicos; teremos que pôr-lhe condições. Por isso confio mais nos movimentos de base e na sua operação autogestionária que na intervenção dos poderes públicos, as mais das vezes vencelhada com interesses privados.

Que papel lhe atribuirias ao Estado num horizonte de decrescimento?

Estamos num estadio tão inicial que é difícil responder. É imaginável o decrescimento num só país, num só concelho? Estamos tão longe disto que quando consigamos que um concelho aprove um programa de decrescimento, já veremos como o fazemos. Neste caso, o meu antecedente libertário fai que sinta pouca simpatia pola instituição do Estado, mas se os poderes públicos assumissem estrategias de decrescimento, bem-vidas.

Também poderíamos confiar na autogestão dos serviços públicos. Assim seriamos donas da nossa saúde, da nossa educação...

O termo autogestão é importante, e não se deve confundir com o de nacionalização. Não abonda com nacionalizar os serviços públicos que foram privatizados. Tem que haver um prejecto autogestionário de control desde a base. Porque ao final não hai moitas diferenças entre o projecto estritamente privado e um projecto público ao serviço de determinados interesses privados. Algo que a esquerda tradicional não acaba de comprender.

O discurso da sustentabilidade está moi em boca de políticos...

Em todos. O problema de termos como “desenvolvimento sustentável”, ou “crescimento sustentável”, é que hoje em dia todo o mundo os defende. O PP defende o desenvolvimento sustentável. Serge Latouche, o principal teórico do decrescimento, di que o “crescimento sustentável” é um oxímoro, nengum crescimento pode ser sustentável. Rodríguez Zapatero não sabe o que é a sustentabilidade, pensa que é um crescimento que se mantém no tempo. E é o contrário: um conjunto de fórmulas econômicas que permitem restaurar os recursos que se gastam.

Fronte a esta corrente de opinião dominante, a hipótese de que a proposta do decrescimento assente nas nossas mentes passa por buscar novas vias de reeducação...

Este é o nosso problema principal. Eu creo que não hai moitos problemas técnicos ou tecnológicos para introduzir programas de decrescimento. Estou convencido de que é moito mais difícil para o capitalismo manter o paradigma do crescimento, que para nós decrescer. Não queremos demostrar que somos capazes de manter o três por cento de crescimento do PIB. Mas, como mudamos a cabeça da gente, a nossa própria cabeça? Temos que apostar polos movimentos sociais e as redes, a sua capacidade de espalhar uma visão diferente. E temos que confiar também em que determinados cidadãos, não particularmente conscientes, comecem a introduzir fórmulas na sua vida cotiá, vencelhadas com o decrescimento. Persoas normais que começam a fazer-se as preguntas que compre fazer em relação com um escenário de crise. A finais de mês o tráfico para Madrid desde os bairros das aforas baixa visivelmente. A gente não tem cartos e colhe o trem. Provavelmente, uma parte deles estão a descubrir que o trem tem moitíssimas mais vantagens que o carro privado. Podem introduzir na sua vida determinados elementos que podem conduzi-los a visões moito mais radicais e críticas.

Como qualificarias o estado atual do movimento cívico galego?

Hai uma crise visível dos partidos e dos sindicatos tradicionais, que não está a produzir suficientes elementos de contestação crítica interna. Isso supom uma oportunidade para determinados movimentos que estão, se não em contra das instituições da esquerda tradicional, si à sua margem. Hai um processo geral de constituição de redes, se cadra excessivamente atomizado. Na Galiza a isto suma-se o problema nacional, que duma parte vivifica iniciativas, e doutra distrai-as. Em qualquer caso, necessitamos manter o discurso claramente anticapitalista, e isto obriga a questionar o discurso fundamental das forças de esquerda tradicional, que reclamam, exclusivamente, a restauração do estado do bem-estar. É o discurso do BNG, como o de IU em Madrid. Um projecto de esquerdas tem que pedir algo mais. Tem que discutir o regime de propriedade, e em segundo lugar, tem que pensar nas gerações vindeiras. Os grupos e as persoas mais próximas ao decrescimento vinculam-se ao ecologismo político radical, que vem defendendo isto com outros nomes hai moito tempo, e o mundo libertário. Entre outras razões, porque não estão preocupados polas eleições. No mundo da antiglobalização e no do decrescimento hai raízes libertárias moi claras; e uma delas é a que diferéncia a cosmovisão libertária das cosmovisões leninista e socialdemocrata. Estas aspiram a que chegue um momento mágico que indique que tomamos o poder, seja através duma revolução ou dumas eleições. E nada di sobre o que devemos fazer antes de chegar a esse momento, só pelejar para conseguir maiorias sociais. A visão libertária é moito mais inteligente. Fala de começar a construir agora esse mundo diferente que queremos, de mudar as nossas vidas. E não agardar o momento que chegará ou não chegará. A CNT em 1936 perfilou um conjunto de redes (granjas, obradoiros, ateneus) que pretendiam criar, num entorno hostil, a sociedade diferente que se queria construir. Como exercício de pedagogia persoal, é moito mais interessante que todas as maquinárias burocráticas dos partidos e dos sindicatos, que o único que fam é mover o carro do poder.


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